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11/12/2003

CASE STUDY: O ersatz do líder da oposição.

A estória é conhecida e perdeu actualidade. Só vale a pena recordá-la porque é um epifenómeno duma grave patologia.
O doutor Jorge Sampaio foi a Argel falar do processo iraquiano. Não falou como presidente dum país cuja posição oficial foi apoiar a intervenção anglo-americana e que tem lá umas tropas, juntamente com muitos outros países. Falou em substituição do desacreditado líder da oposição, e passou manteiga nos seus anfitriões argelinos, que estão lá à custa duma enorme fraude eleitoral. Como líder da oposição, devoto duma ONU, cuja maioria dos membros é governada por corruptos ou fantoches ou títeres ou ditadores sanguinários, mencionou ocupação e forças ocupantes, esquecendo que o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1511 sobre o processo de transição no Iraque, ao abrigo da qual os nossos magalas da GNR têm lá as botas.
Não vale a pena acrescentar nada ao que escreveu o director do Público aqui.
Reconheça-se que o doutor Jorge Sampaio não é original. Há uma tradição velha de 28 anos, que remonta ao general Ramalho Eanes, que promoveu um partido à custa do cargo e do partido do doutor Jorge Sampaio, e continua com o doutor Mário Soares, que se promoveu ao cargo também à custa do partido do doutor Jorge Sampaio. Essa tradição atribui ao presidente da República as dores da oposição e o papel de ersatz do seu líder.
Talvez por isso o lugar parece tão atractivo. Veja-se a longa lista dos presuntivos candidatos: Cavaco Silva, Guterres, Santana Lopes, Soares (pai), Soares (filho), Marcelo Rebelo de Sousa, Freitas do Amaral, Carlos Monjardino, Vieira de Almeida, José Miguel Júdice, entre tantos outros já esquecidos ou ainda não revelados que poderão render-se à tentação de não mandar nada, nem deixar mandar, e não pagar por isso.
E porquê a atracção? Uma teoria conspirativa: é mais barato e mais agradável ser presidente da República do que líder da oposição, que implica suportar a travessia do deserto do poder, aguentar uma cambada de potenciais traidores escondendo as navalhas da traição nas calças da pouca vergonha e suportar uma infinita corja de medíocres ansiando por uma sinecura, tudo isto apenas mitigado pelo séquito de seguidores incondicionais, que vai minguando, na medida em que mingua a esperança do governo de serviço cair.
Mais importante do que perceber o porquê daquelas almas se sentirem atraídas pela presidência, quais borboletas pelo candeeiro, é perceber as causas da popularidade da coisa. Porquê a populaça venera tal comportamento, que outras populaças doutras paragens achariam irresponsável e oportunista?
Deve haver algo nas profundezas da alma lusitana que o explica. Algo que leva os portugueses a criarem mecanismos sociais e políticos para entropicar a sua vida. O Impertinente acredita que a coisa remonta à ocupação da Lusitânia pelo império, se não antes – não é verdade que um governador romano escreveu ao imperador, lamentando-se, resignado, que os povos indígenas não ser governavam nem se deixavam governar?
(Continua ?)

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