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17/06/2006

CASE STUDY: a avaliação dos professores e os cinco equívocos do liberalismo de salão e uma conclusão (ACTUALIZADO)

Fiquei aturdido. Não é de todos os dias que se vêem liberais a aplaudir as medidas dum governo colectivista. Acontece em cada passagem do cometa Halley.

Aconteceu no caso da anunciada avaliação dos professores pelos pais que mereceu a aprovação de várias luminárias do liberalismo de salão, um pouco por todo o lado, e também aqui na nossa blogosfera paroquial. Se bem percebi, o argumento principal é que os clientes do produto «educação», os pais dos alunos segundo essas correntes, estes estão no seu direito de avaliar os fornecedores. Com a normal falta de respeito que estes delírios me despertam, acho tal argumento um disparate irremediável.

Afinal o que é um cliente? Segundo o meu dicionário de plástico é um «freguês, aquele que vende ou compra habitualmente a determinada pessoa». Segundo o Merriam-Webster's citado pela Britannica 2003, «client» é, entre outras coisas que agora não interessam, «a: a person who engages the professional advice or services of another (lawyer's clients) b: customer (hotel client) c: a person served by or utilizing the services of a social agency (a welfare client)», e «customer» é «one that purchases a commodity or service». Não vale a pena gastar a escassa erudição impertinente. Um player num mercado é cliente se comprar um produto, seja um bem, seja um serviço, isto é se pagar o seu preço.

Primeiro equívoco - o serviço é outro
Em resultado de várias décadas de contaminação pela ideologia dos apparatchiks da «educação», o serviço que a maioria dos pais dos alunos esperam que o sistema estatal lhes proporcione não é a instrução das suas proles. É o estacionamento feliz e descuidado, durante várias horas por dia, dos seus rebentos fora das ruas em que podem ser atropelados, roubados ou raptados, culminando na atribuição dum certificado que, se não tiver préstimo para arranjar um «emprego», pelo menos serve para aumentar a auto-estima das criaturas. Se algum distraído que leia estas linhas tiver dúvidas, o melhor é falar com uma meia dúzia de professores que ainda mantenha um grão de lucidez.

Segundo equívoco - quem paga são outros
Quem paga o custo desse serviço não são os pais, são os sujeitos passivos.

Terceiro equívoco - os fornecedores são outros
Os fornecedores do serviço educação estatal, pago pelos sujeitos passivos, não são os professores. O fornecedor é o estado napoleónico-estalinista, via ministério da educação. Os professores são empregados do fornecedor.

Quarto equívoco - não há mercado
A educação estatal não é, portanto, um produto porque não tem um preço e não existe um mercado da educação (com boa vontade, se o ensino privado tivesse uma importância que não tem, talvez pudéssemos falar de um quase-mercado).

Quinto equívoco - e ainda que
Ainda que a educação estatal tivesse os pais como clientes, que não tem, e os professores como fornecedores, que não são, ainda que o serviço que os pais esperassem fosse a instrução da sua prole, que não é, seria uma grande novidade se esses putativos clientes avaliassem os empregados dos fornecedores. Será preciso lembrar que a avaliação formal nas empresas, que tem uns escassos 40 anos, para já não falar da «avaliação 360º» (hipoteticamente esta incluiria os clientes), que tem uns meros 20 anos, não fez falta nenhuma ao funcionamento dos mercados que todos os dias avaliam os fornecedores há séculos?

Conclusão
Se quem tem que ser avaliado pelos pais não são os professores mas o fornecedor ministério da educação, nesse caso, se o governo quer verdadeiramente submeter à avaliação pelos «clientes» o serviço de «educação» que impinge, financiado pelos sujeitos passivos, pode instituir o cheque-instrução e os pais escolherão livremente a melhor escola para os seus filhos. O ministério da educação (entretanto reconvertido para ministério da instrução) disporá então de uma avaliação descomplicada do serviço que os seus balcões prestam aos «clientes».

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