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29/10/2012

CASE STUDY: O multiplicador orçamental (1)

Com a recente publicação do World Economic Outlook - Coping with High Debt and Sluggish Growth, o FMI reconheceu que os multiplicadores orçamentais não se situariam no intervalo 0,4-1,2 como vinha sendo assumido mas, em vez disso, poderiam ser mais altos e situar-se no intervalo 0,9-1,7 (ver especialmente Box 1.1. Are We Underestimating Short-Term Fiscal Multipliers?, páginas 41 a 44 do Outlook).

Os prosélitos do «crescimento» vibraram de excitação (ver aqui, por exemplo, o economista predilecto de José Sócrates) porque tal conclusão confirmaria que as políticas de austeridade poderiam não fazer sentido visto cada euro de despesa pública cortada ou de impostos aumentados poderia reduzir até 1,7 do produto. Rapidamente surgiram estudos confirmativos, como o de Barry Eichengreen e Kevin O'Rourke aqui citado.

Perdoem-me o atrevimento e a falta de respeito pela autoridade do FMI, dos académicos e até do Dr. João Galamba, mas, tal como o efeito multiplicador do investimento se tem revelado uma falácia teórica para justificar a aplicação de fundos em projectos insuficientemente reprodutivos (*), também o multiplicador orçamental é outra falácia teórica usada para justificar a manutenção da estrutura e do papel do Estado.

Entendamo-nos, é claro que existe um efeito multiplicador orçamental, assim como existe um efeito multiplicador do investimento, no sentido de um aumento de impostos ou uma redução da despesa se multiplicarem (ou desmultiplicarem) no PIB. Só que esse efeito depende completamente de quais os impostos aumentados e qual a sua incidência e de quais as despesas públicas que se reduzem e onde se aplica o resultado do aumento da receita fiscal ou da redução das despesas.

Por isso, o multiplicador orçamental pode ser útil para mostrar aos alunos do primeiro ano de Economia que os impostos e as despesas públicas tem consequências na economia, mas como instrumento de uma política orçamental é uma abstracção falaciosa baseada em premissas arbitrárias e servirá quanto muito para balizar os efeitos médios das medidas de consolidação orçamental.

Se aceitarmos as conclusões do FMI, em média por cada euro de uma combinação de aumentos de impostos com cortes da despesa o efeito no PIB seria de 90 cêntimos a 1,7 euro, ou seja na proporção de 1 para quase 2. Se a média se situa num intervalo tão amplo isso significa que provavelmente certos cortes de despesas concretas poderão ter efeitos muito abaixo do limite inferior do intervalo ou muito acima, claro.

Por exemplo, se o governo denunciar os contratos de locação dos milhares de automóveis ao serviço de apparatchiks e cortar assim as despesas com rendas, combustíveis e manutenção dessa frota o efeito multiplicador será o mesmo do que se reduzir a despesa com subsídios de desemprego num valor equivalente?

(*) Ver na etiqueta multiplicador duas dezenas de posts, em especial «Bendita econometria», a propósito do miraculoso multiplicador de 18 que, segundo o estudo citado neste post, se aplicaria às infraestruturas rodoviárias. Se tal efeito não fosse uma fábula ter-nos-ia poupado à pré-falência, situação para a qual a política de cobrir o país de alcatrão contribuiu apreciavelmente.

(Talvez continue)

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