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02/10/2012

Não invoqueis em vão o multiplicador (2)

Repescando o que escrevi há 4 anos sobre os equívocos do efeito multiplicador:

Infelizmente para a doutrina, a história económica e social portuguesa recente, para não ir mais longe ou mais atrás, não permite confirmar os seus pressupostos. Durante mais de 10 anos, entre 1975 e meados da década de 80, 1/3 do PIB e perto de 50% do investimento teve origem pública. Os resultados são conhecidos. Foi preciso esperar pelas consequências da adesão à CEE em 1986 (torrente de fundos e abertura dos mercados europeus à exportação) para ver alguns sinais de convergência real com a Europa. Cinco anos depois, em consequência da estratégia cavaquista do betão e da torra inútil dos fundos para a formação, tudo investimento público, estávamos à beira de outra recessão. Quando voltámos a convergir a partir de 1996, reincidimos no uso do multiplicador sucessivamente com a Expo 98 e os 10 estádios do Euro 2004, de permeio com mais umas auto-estradas. Qual o resultado de 22 anos de integração na UE e de 30 anos de multiplicador democrático (já havíamos experimentado o não democrático)? Divergimos sucessivamente nos últimos 10 anos, desperdiçámos a fugaz recuperação até 1998 e fomos entretanto ultrapassados por vários países ex-comunistas e voltaremos a sê-lo nos próximos anos.

É espantosa a frescura que se pretende emprestar a ideias e estratégias ressequidas que nos conduziram onde estamos. Mais investimento público, em geral, e em auto-estradas e TGV, em particular, é mais do mesmo. O caminho para o desenvolvimento não é esse.

Surpreendentemente, depois de todos os desastres de investimento público e privado (frequentemente com dinheiros públicos) que se multiplicaram nas últimas décadas fundamentados no efeito multiplicador que agora deveriam estar patentes até para os crentes, ainda há quem mantenha a fé. Como os jornalistas do Expresso (*)que acolhem as «contas feitas» da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva) mostrando que «por cada euro investido no Alqueva, o Estado tem um retorno de 4,45 euros».

Curiosamente um dos exemplos de multiplicação dos euros que apresentam é o PIN «Roncão d’El Rei», projecto megalómano de «criar um novo destino turístico com expressão internacional» que levou à insolvência a empresa de José Roquete, insolvência que segundo o Expresso «não é definitiva».

(*) Curiosamente, o mesmo manipulado já tinha sido plantado no Público há quase 3 meses.

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