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05/11/2012

CASE STUDY: O multiplicador orçamental (2)

[Continuação de (1)]

A saga do multiplicador orçamental continua. A imprensa portuguesa fez eco de mais um estudo de Dawn Holland e Jonathan Portes com base no modelo econométrico do National Institute of Economic and Social Research.

O estudo «Self-defeating austerity?», cujos resultados foram publicados no blogue Vox, apresenta uma particularidade importante que é a de ter em conta as medidas de política monetária já adoptadas, a fase do ciclo económico e os efeitos da simultaneidade de uma consolidação orçamental em vários países da Zona Euro. Além disso, procurou estimar também os efeitos da consolidação fiscal no rácio de dívida pública.

Em conclusão, considerando a conjuntura actual da Zona Euro, as medidas em curso do BCE, e os efeitos coordenados da consolidação orçamental resultarão para a maioria dos países multiplicadores orçamentais em relação ao PIB triplos dos expectáveis com as economias próximas do equilíbrio.

Em relação à dívida pública, se em tempos «normais» o multiplicador seria sempre negativo (isto é, o rácio de dívida pública seria reduzida pela consolidação fiscal), na conjuntura actual o multiplicador seria sempre positivo, com excepção da Irlanda. Daqui resulta, segundo as conclusões do estudo, que quanto mais profundas forem as medidas de consolidação orçamental, isto é mais forte a «austeridade», mais crescerá a dívida pública.

Em relação a Portugal, em tempos normais os efeitos estimados na redução do rácio de dívida seriam muito importantes, mas em contrapartida nesta conjuntura o multiplicador poderá ser ligeiramente positivo e, portanto, o rácio de dívida poderá aumentar, ainda que consideravelmente menos do que nos outros países, com excepção da Irlanda. Em particular, os efeitos da «austeridade» no aumento do rácio de dívida pública serão em Portugal muito menor do que na Grécia (uma diferença abissal), Itália e Espanha. É um resultado curioso porque, a ser assim, estes países sentiriam muito mais fortemente os efeitos na dívida e poderiam servir de barreira política em relação a Portugal.

Continuando céptico em relação à utilidade do multiplicador orçamental fora do domínio puramente descritivo, reconheço que o facto de neste estudo terem sido consideradas as circunstâncias referidas e em particular os efeitos de uma consolidação orçamental simultânea em economias com forte interdependências numa zona de comércio livre lhe concede um pouco mais de credibilidade. Como quer que seja, continuamos a falar de médias abstractas que escondem efeitos muito diferentes tendo em conta as medidas concretas de consolidação que dependem obviamente não só de serem pelo lado da receita ou pelo lado da despesa, como de quais os impostos que se aumentam ou quais as despesas que se reduzem.

Por último, é essencial ter em conta que o conceito de multiplicador orçamental faz pouco ou nenhum sentido para medir o efeito de reformas do Estado como aquelas que (inevitavelmente, acrescentaria para irritação dos comentadores políticos) têm de ser levadas a cabo para que este país não continue o declínio económico e (outra vez, inevitavelmente) social.

[Outros posts sobre o efeito multiplicador, em especial «este]

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