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24/09/2014

QUEM SÓ TEM UM MARTELO VÊ TODOS OS PROBLEMAS COMO PREGOS: O alívio quantitativo aliviará? (2) – O mito da deflação

[Outras marteladas (1)]

Pelo seu interesse transcrevo integralmente o artigo «Deflação e crise financeira» (Jornal de Negócios) do professor do ISEG Avelino de Jesus, uma apostasia da economia mediática.


«O BCE levou a cabo, em 18 de Setembro, a 1.ª das 8 operações TLTRO (Target Long-Term Refinancing Operations) previstas para o período de Setembro corrente até Junho de 2016.

Contra uma previsão de €100 biliões, o valor total dos créditos concedidos ficou-se pelos €82,6 biliões. Recorreram a esta generosa facilidade (taxa de juro fixa 0,15% para um prazo de 4 anos) apenas 255 das 382 entidades elegíveis.

Esta primeira operação – que muitos avaliam como um fracasso pela escassez da procura registada – insere-se no novo ciclo de acções que o BCE pretende implementar para combater o "perigo de deflação" que muitos, irracionalmente, julgam descortinar no horizonte imediato. O 1.º ciclo de operações do mesmo tipo fora lançado pelo BCE nos anos 2011/2012 então com o objectivo de "salvar o euro".

O primeiro ciclo destas operações de efectiva degradação monetária na aparência atingiu os objectivos propostos. Na prática, teve o efeito perverso de redução da pressão para o saneamento das finanças públicas (redução incrível dos juros soberanos) e para a continuação das reformas estruturais.

Se, apesar dos efeitos perversos referidos as operações dos anos 2011/2011 merecem algum julgamento benigno pela situação de quase emergência então vivida na zona euro, este segundo ciclo, agora iniciado, é absolutamente negativo, na medida em que pretende perseguir um fantasma e saldar-se apenas por novos e graves malefícios para a recuperação das economias que pretende salvar.

A experiência histórica mostra que os períodos de deflação muito raramente coincidem com períodos de recessão.

A tabela anexa reunindo resultados de investigação (1) recentemente divulgada pelo BIS ("Bank for International Settlements") mostra quão errónea é a percepção dominante – que o BCE também adopta – sobre os malefícios da deflação.

Tanto na época antes da I Guerra como no período a seguir à II Guerra o PIB real continuou a crescer mesmo nos períodos de preços em declínio. Mas, mais: as diferenças registadas na variação do PIB real entre os períodos de inflação e de deflação não são estatisticamente significativas.

Apenas no período entre as duas guerras mundiais, as médias anuais do crescimento do PIB real representam diferenças significativas. Mas mesmo neste período excepcional devem considerar-se duas notas fundamentais. Primeira, o período entre as duas guerras é influenciado pela experiência excepcional da Grande Depressão, quando os preços caíram 20% e o produto contraiu 10%. Segunda, neste período a contracção do PIB real tende a dar-se antes do deflagrar da deflação.

Se estas operações do BCE visam combater um perigo inexistente, elas arrastam efeitos perversos bem reais.

Primeiro, dá novo alívio às pressões para os governos sanearem as finanças públicas e adiarem ainda mais as reformas estruturais que alguns timidamente haviam iniciado.

Segundo, alimenta a já preocupante euforia nos mercados financeiros que segue paralelamente ao fraco investimento produtivo.

Terceiro, incentiva o aumento do endividamento dos agentes (Estado, famílias e empresas).

Quarto, perante os juros extremamente baixos provoca a tomada de riscos adicionais.

Quinto, a obtenção de créditos fáceis e baratos no BCE, na situação actual de balaços ainda grandemente por sanear, arrasta os bancos para a má alocação dos créditos: continuam a alimentar os velhos e problemáticos clientes para não reconhecerem perdas e dificultam e encarecem o financiamento dos projectos de novos clientes. As reduções dos juros provocam mais dívida quando é necessário mais capital e favorecem sectores onde já se investiu demasiado.

Sexto e finalmente, as facilidades monetárias contrariam a regulação macro prudencial e prevalecem sobre esta, permitindo mascarar as fragilidades dos balanços dos bancos, só evidenciadas após episódios de rebentamento.

Este conjunto de efeitos perversos não são ameaças teóricas. São realidades palpáveis, já verificadas em consequência do 1.º ciclo de degradação monetária. Este segundo ciclo vai ampliar, de forma perigosa, todas aquelas consequências e a saída da crise financeira, por este caminho, será uma miragem.

No caso português, creio que o leitor dispensará os evidentes exemplos do passado recente.

(1) Veja-se o último relatório anual do BIS, em especial as páginas 98 e 99. (BIS 84th Annual Report), livremente disponível em: http://www.bis.org/publ/arpdf/ ar 2014e.htm»


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