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25/07/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (41)

Outras avarias da geringonça.

A semana que passou foi tão fértil em produções fictícias da geringonça que é difícil destacar uma. Escolho o orçamento participativo inventado pela máquina de propaganda de Costa que permitirá aos cidadãos decidir onde gastar 3 milhões de euros ou o equivalente a 0,004% da despesa total - leu bem: quatro euros em cada cem mil euros euros de despesa.

Mas também poderia escolher o folhetim Caixa. Ficou a saber-se que a administração demissionária apresentou ao ministro das Finanças em Dezembro um plano de recapitalização sem dinheiro público. A menos que a administração da Caixa já nessa altura tivesse atacada de paranóia, e nesse caso deveria ter sido imediatamente demitida, é difícil de entender o silêncio de Centeno. Pior não parece possível, mas talvez seja porque o BCE considerou o novo plano de António Domingues «não credível».

Ou ainda a comunicação do governo que ameaça liquidar o Novo Banco se não for vendido até Agosto do próximo ano. Dito de outro modo, o governo acabou de nomear uma nova comissão liquidatária ou, na melhor hipótese, fez um desconto gigantesco no preço, caso ainda sobre algum interessado em comprar o Novo Banco.

Ou ainda o défice do primeiro trimestre ajustado de efeitos de sazonalidade de 0,8% do PIB, metade da Zona Euro. Já vimos esta estória antes e sabemos qual foi o desfecho. Desta vez não precisaremos de esperar tanto tempo.

Porém. a produção mais fictícia talvez seja o anúncio via jornalismo de serviço que o «Governo pondera pôr Comissão em tribunal» (é este o título da peça que ocupa uma página do Expresso). Felizmente para o governo, o único da CE que poderá ler esta peça é Carlos Moedas e este já está habituada a quase tudo. É claramente um sound bite somente para uso interno e em particular para mostrar a comunistas e berloquistas que os socialistas fazem voz grossa a Bruxelas,

Em matéria de crescimento, cada mês que passa estamos mais longe do Excel de Centeno. O indicador de actividade económica do INE abrandou em Abril e Maio e as perspectivas são tão medíocres que o governo já reduziu, mais uma vez, a previsão de crescimento do PIB de 1,8% para 1,4%. As «vacas que voam» começam a aterrar e até se diz que Costa fez um discurso «realista» na reunião com os deputados socialistas. Infelizmente para Portugal, o «realismo» de Costa continua a ser um realismo fantástico.

Tão fantástico é o realismo de Costa que o governo anunciou ir dificultar o recurso ao trabalho temporário e à subcontratação. Será mais um exemplo de como inflexibilizar o mercado de trabalho é um artigo de fé que resiste a décadas de experiência que nos deram 20% de trabalhadores temporários, o que compara com 2% dos EU.

A dívida pública total aumentou em Maio 1,6 mil milhões e atingiu a pletórica marca de 237,6 mil milhões, ou cerca de 132% do PIB. Não é miraculoso que os défices estejam tão controlados e a dívida continua a aumentar a este ritmo?

Se as contas públicas já estavam más, pior ficarão com a condenação pelo tribunal arbitral do Estado português a indemnizar 150 milhões de euros ao consórcio a quem Sócrates adjudicou em Maio de 2010, quando a bancarrota já era visível, a obra do TGV entre Poceirão e Caia/Badajoz.

Se a geringonça está a conseguir desconsolidar a pouca consolidação das finanças públicas que o governo PSD-CDS conseguiu realizar, o desastre é ainda maior nas contas externas que desde 2013 estavam equilibradas pela primeira vez em décadas. Em Maio o défice foi em valor absoluto o terceiro mais elevado e em percentagem do PIB foi o mais elevado.

O FMI a propósito do Brexit aponta as vulnerabilidades do sistema bancário europeu, «em particular nos bancos italianos e portugueses». Segundo as teorias da conspiração em vigor isto não é preocupante porque trata-se de uma cabala do FMI com o BCE e o ministro das Finanças alemão para camuflar o descalabro eminente do Deutsche Bank. Sim, há quem acredite piamente nisso, como o pastorinho da economia dos amanhãs que canta Nicolau Santos. Dirão que esse não conta, porque acredita em tudo, até nas tretas do Baptista da Silva. Pois será, mas há outros que acreditam. Quem quiser informar-se um pouco mais objectivamente poderá a peça da Economist «Deutsche Bank - A floundering titan

Estará tudo a correr mal? Nem tudo. A política de incentivos ao consumo da geringonça está a ter um grande sucesso. A semana passada referi a importação de veículos, esta semana tenho uma outra boa notícia: o número de fogos novos para habitação familiar licenciados em 2015 aumentou pela primeira vez desde 2000 e o número de alojamentos familiares vendidos aumentou 27,4% (fonte). Sendo certo que a respeito desta realização a geringonça tem de repartir o sucesso com o governo anterior, não é menos certo que assim conseguimos aumentar uma vez mais o stock de casinhas devolutas que já era de 700 mil (ver este post esclarecedor do Impertinente).

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