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19/02/2005

SERVIÇO PÚBLICO: O estado do cinema do Estado

Na véspera das eleições parece à primeira vista despropositado citar uma entrevista ao Independente de ontem de Mário Dorminsky, o criador e promotor do Fantasporto, que seguramente, quando fala de cinema em Portugal, sabe do que fala. São fragmentos sobre a factura do cinema estatal, vêm na sequência do post Os programas não são para se cumprir (4) - a Cóltura (com maiúscula) e são uma boa preparação para o regresso do professor Carrilho e dos seus discípulos.
Porque é que os filmes portugueses têm poucos espectadores?
Por vários motivos. Para já, o processo de atribuição de apoios ao cinema português está errado. O Estado sacode a água do capote e passa uma responsabilidade que é sua - atribuir apoios directos em função do valor cultural de cada evento - para júris que são falíveis e influenciáveis. Digo isto porque já saí a meio de um júri do ICAM. Perguntei aos outros jurados quantos telefonemas tinham recebido e de quem. Ninguém quis dizer nada - e eu saí. Quem faz cinema em Portugal são sempre os mesmos. Não se abre porta a novos cineastas. Isso tem a ver com...
...cunhas?
Não. Tem a ver com "lobbys". O cinema em Portugal é feito de "lobbys". Há uns mais fortes e outros menos. O produtor Paulo Branco fez um acordo com a Fundação Calouste Gulbenkian para pagar a produção dos Cahiers du Cinéma aos próprios Cahiers du Cinéma. A partir daí cinema português passa a ser conhecido em e França através do Le Monde, do Libération, dos Cahiers du Cinéma e de todas as revistas que a intelectualidade do cinema lia. A imagem que passou para Portugal foi a de que o cinema nacional era um grande sucesso em França porque fazia semanas consecutivas na sala Action-République. Mas fazia semanas consecutivas de salas vazias. Isso levou a que se criassem nomes como Manoel de Oliveira e outros.
E a qualidade dos filmes portugueses?
Há bons e maus filmes. Mas a grande maioria - e isto é generalizar o que também não é muito fácil de generalizar - dos cineastas portugueses olha demasiado para o umbigo. Fazem filmes para que os seus colegas digam muito bem. Não os fazem a pensar no público.
Faz sentido o Estado pagar filmes que ninguém vê?
Esse é o problema dos júris. Eu, se fosse Estado diria: "O júri é que decidiu." É isso que o Estado faz. Mas é evidente que não devia ser assim. Portugal é o único país onde o cinema é integralmente pago pelo Estado.

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