Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

31/12/2006

ARTIGO DEFUNTO: todos diferentes, todos iguais (2)

Se o Diário Económico e o Jornal de Negócios se esmeraram a trombetear os 8 (oito) contratos de investimento que ascendem a (no valor total de) 1,69 mil milhões de euros aprovados pelo executivo (governo) liderado por José Sócrates, o Sol transcendeu-se com o título na página 9 do Confidencial: Governo investe 1,7 milhões mil de euros.

Se levado o título ao pé da letra, significaria que ainda o novo ano não tinha começado e o governo já teria torrado quase 30% do investimento previsto no OE de 2007, em coisas tão pouco solidárias como o Ácido Tereftálico Purificado. Nem o próprio governo no seu comunicado foi tão longe na mistificação.

[Já ia a caminho e voltei atrás para cravar mais este prego no caixão da defunta imprensa]

29/12/2006

ARTIGO DEFUNTO: todos diferentes, todos iguais

Governo aprova 8 contratos de investimento que ascendem a 1,69 mil milhões de euros
O Executivo liderado por José Sócrates aprovou esta quinta-feira em Conselho de Ministros oito contratos de investimento com um valor total que ultrapassa os 1,69 mil milhões de euros. A concretização dos projectos em causa - Visabeira, Plêiade, Altri, VGMM, Hikma, La Seda, ENR e Repsol – vai criar quase 500 empregos
, escreveu Pedro Latoeiro no Diário Económico.

Governo aprova oito contratos de investimento no valor total de 1,69 mil milhões
O Governo liderado por José Sócrates aprovou na reunião de hoje oito contratos de investimento cujo valor global supera os 1,69 mil milhões de euros. Com a concretização dos projectos em causa - com a Visabeira, Plêiade, Altri, VGMM, Hikma, La Seda, ENR e Repsol - serão criados mais 494 empregos
, escreveu Sara Antunes no Jornal de Negócios.

Cada um deles continua a seguir a sua redacção, esforçando-se muito pouco para disfarçar a fonte comum, não citada, a quem ambos, e os seus jornais, estavam a fazer o frete.

Nenhum deles se deu ao trabalho de perceber e nos explicar o papel do executivo/governo liderado por José Sócrates - usar o dinheiro dos contribuintes para fazer uns descontos nos impostos e conceder uns subsídios cujos montantes, certamente por pudor, não foram informados. Com esses montante não especificados, habitualmente avantajados, o governo irá baixar a taxa de desemprego de 7,2% para 7,1905%.

27/12/2006

CASE STUDY: study those fellows but don't follow them for god's sake (1)

Depois dos anos do bom aluno cavaquista, vêm os pódios [(1), (2) e (3)] dos cábulas e o exemplo do mau aluno que não deve ser seguido pelos recém-chegados, Eslovénia et alia.

Amanhã, com mais tempo, trato disso em detalhe (o diabo está nos detalhes).

26/12/2006

DIÁLOGOS DE PLUTÃO: chamada de Melmac a pagar no destino

- Alô! É você seu impertinente?
- Sou. Quem fala?
- É o Alf. Você se lembra? (*)
- Sim, claro. Não estava a conhecer a sua voz. Está com uma pronúncia diferente?!
- Até pode ser. Estou chegando a Melmac, voltando de Manaus. Tem lá gato gostoso dimais. Olha, também estive lendo suas bobagens nesse seu blogue Imprevidências.
- Impertinências.
- Pode ser. Mi conta uma coisa, rapais. Estou morrendo de curiosidade. Essa Maria José que está tratando do pito dourado é aquela mesma Maria José, a justiceira?
- Não é Pito, é Apito, e é essa mesmo.
- Olha aí
, isso quer dizer que voismicês não querem investigar o pito?
- O apito!
- O apito, se você faz questão.
- Claro que queremos investigar até ao fim. Todos apoiam a Maria José.
- Como até ao fim? Ela vai se demitir loguinho.
- Você acha isso?
- Está na cara.

(*) Um simpático alienígena, chamado Gordon Shumway, oriundo do planeta Melmac. O Impertinente teve o privilégio de conhecer pessoalmente Alf no verão de 2002, durante as suas férias com os Tanners na Quinta da Balaia. Desde então, Alf passou a acompanhar regularmente a vida política e cultural portuguesa (ver mais no Glossário).

25/12/2006

NÓS VISTOS POR ELES: hoje não há conquilhas, amanhã não sabemos

O governo e o jornalismo de (certas) causas tratam os portugueses como atrasados mentais atormentados por um infantilismo que os inibe de encarar a realidade. Segundo esta visão, os aborígenes, esmagados pelo falhanço da convergência real, depois de muitos milhares de milhões de euros dos contribuintes europeus torrados ingloriamente, precisam desesperadamente de boas notícias que lhes dêem lustro ao ego e lhes injectem a auto-estima perdida depois de 6 aumentos das taxas de juros que elevaram a um nível estratosférico as prestações da casinha, do chaço e do écran de plasma.

Talvez o governo e o tal jornalismo tenham razão, mas entretanto é melhor ir procurar por outras bandas uma percepção desapaixonada e desinteressada do que se passa cá no burgo. Por exemplo a percepção de Portugal pelos investidores internacionais.

Fonte: Portuguese Attractiveness Survey 2006, Ernst & Young. A percepção de Portugal pelos investidores internacionais baseou-se em entrevistas telefónicas em Março de 2006 duma amostra de 105 executivos de empresas internacionais que incluiu os investidores estrangeiros mais significativos.

24/12/2006

DIÁRIO DE BORDO: a cada um o seu natal - o natal lascivo

«... mas aqueles figos secos, com o interior avermelhado e repleto de minúsculas grainhas e, como se fosse pouco, abertos ao meio, com a noz a aparecer, são a minha paixão. Nesta espécie de sanduíche extra-seca e agridoce, encontro uma boa conjugação de sabores e de 'texturas': a noz estaladiça contrasta com uma certa esponjosidade do figo, apesar das grainhas crocantes. O figo começa por ser doce, mas acaba por ter um sabor ligeiramente acre e o mesmo se passa com a noz. Talvez a combinação feliz se deva a essa harmonia inesperada de sabores: a glicose do figo e da noz torna-se uma certa acidez, que precisa de algo mais doce para compensar e assim sucessivamente.» (Carla Hilária Quevedo, Sabores Natalícios, Cinco Sentidos, na Tabú do Sol)

É por essa, e por outras, que nunca digo Santo Natal.

23/12/2006

DIÁRIO DE BORDO: a cada um o seu natal (3)

Um Natal impertinente:
  • Santo Natal e um beijinho (Lapa, Boavista e classe A em geral)
  • Bom Natal e dois beijinhos (Telheiras, Antas e classe B em geral)
  • Feliz Natal e dois ou três beijinhos (choldra).

22/12/2006

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: sabemos, mas fazemos por esquecer

Secção Óbvio Ululante
«Portugal entrou para um clube de ricos, que tem exigências muito elevadas. E entrou sem ser rico, sem gostar de trabalhar e sem medir as consequências»
Três afonsos para José Miguel Júdice que nos lembrou hoje no PÚBLICO aquilo que todos sabemos mas não gostamos de encarar.

20/12/2006

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: perguntar ofende?

«Vistas assim as coisas, dir-se-ia que, do ponto de vista liberal, muito, ou quase tudo, está por fazer em Portugal. Por conseguinte, se assim é, devemos começar por tentar compreender como chegámos a um ponto destes ao fim de oito séculos de história, ou, em alternativa, porque nunca conseguimos passar disto? Por que razão Portugal continua a ser um país estatizado, onde não existem sequer instituições civis de defesa da cidadania? A resposta, temo, não será agradável de ouvir.» (blasfémia do blasfemo Rui no Blasfémias)

SERVIÇO PÚBLICO: o pódio, em retrospectiva (*) (3)

(*) uma vez mais

19/12/2006

SERVIÇO PÚBLICO: o pódio, finalmente (*) (2)

(*) outra vez
Evolução do PIB per capita, em paridade do poder de compra (quadro no Destak de hoje)

18/12/2006

SERVIÇO PÚBLICO: o pódio, finalmente

«Número de funcionários públicos: A confirmação de uma certeza», Miguel Frasquilho (no Jornal de Negócios)

16/12/2006

ARTIGO DEFUNTO: fazer o lugar do outro

Via Abrupto, cheguei a esta inacreditável recomendação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Não faço a menor ideia sobre quem são e, sobretudo, o fazem pela vida as luminárias do Conselho Regulador, mas a recomendação que produziram podia perfeitamente ser escrita por um qualquer gabinete de comunicação dum qualquer partido.

Fiquei desapontado porque «o Conselho Regulador dá por encerrado este "diálogo", tão picaresco como pouco edificante», segundo as suas próprias palavras. Tão pouco edificante quanto bastante esclarecedor sobre o propósito da coisa chamada ERCS. Tivesse a coisa sido filha do cérebro daquele desajeitado braço direito do doutor Santana Lopes para os mídia, cujo nome não recordo, e teríamos a horda do jornalismo de causas assediando as canelas das luminárias da ERCS.

15/12/2006

SERVIÇO PÚBLICO: a insanidade mental do islamismo fundamentalista persa

O Irão nazi

por Nuno Rogeiro, no JN

A República "Islâmica" do Irão decidiu patrocinar uma reunião de nazis e racistas (incluindo David Duke, ex- "Grande Dragão" do Ku Klux Klan), elementos da extrema-esquerda "anti - ianque" europeia e japonesa, antigos membros dos "exércitos vermelhos" que semearam o terror na Europa (um dia falar-se-á sobre os mesmos, e os seus agentes em Portugal, sejam mais ou menos gordos).

A intenção era a de deslegitimizar o Estado de Israel, de negar a existência de um Holocausto nazi contra os judeus europeus e contra a civilização ocidental, nos anos 30. Por esse processo, pensavam a presidência e o Governo iraniano reunir, sob a sua bandeira, o mundo dos árabes de boa fé, criar um novo motivo de aliança dentro do Islão, e aproveitar os trunfos aparentes, gerados desde o relatório Baker.

Ver mais aqui.

13/12/2006

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: a ecoanomia portuguesa

Já se sabia que não temos uma economia, temos uma economia de pedintes, que não apenas vive da esmola de Bruxelas como gasta mal o óbolo. Segundo a comissária da filantropia Neelie Kroes, dos cerca de mil milhões de euros de ajudas apenas uma pequena parte foi aplicada no ambiente, educação, PME e Investigação e Desenvolvimento, que representam mais de 80% na média europeia. No nosso caso, o grosso da massa foi torrado em subsídios às empresas e benefícios fiscais na zona franca do Bokassa das Ilhas.

Será preciso explicar à comissária da filantropia que a economia portuguesa é uma ecoanomia?


Ecoanomia é um sistema económico em que não são válidas as leis da economia; os agentes ecoanómicos encontram-se num estado de dissonância cognitiva não se-governando-se, nem se-deixando-se governar, pelas regras económicas correntes nas economias.

12/12/2006

DIÁRIO DE BORDO: parecidos, todavia diferentes

Se comparar os curricula de Augusto Pinochet e de Fidel Castro, considerando os anos de exercício de ditadura (15 contra 50), o número de mortos pelos quais directa ou indirectamente são responsáveis (três mil e tal contra vários milhares) e last but not least o resultado das suas políticas (um dos dois países mais avançados da América Latina e uma versão tropical da Coreia do Norte), é-me difícil compreender a euforia da esquerdalhada pela morte do primeiro e o desgosto pela doença do segundo.

11/12/2006

ESTADO DE SÍTIO: mais anúncios

A lógica imparável do estado napoleónico-estalinista está bem patente em dois anúncios que hoje fizeram notícia nas secções de economia dos jornais.

O primeiro, é o anúncio pelos CTT de que deixou de valer o seu anterior anúncio de parceria com a Caixa para criar o banco postal. Enquanto isso, os CTT deitaram pela borda uma parceria já negociada pela anterior administração com o Banif, um dos poucos parceiros a quem poderia interessar tal parceria, por dispor de uma insuficiente rede de balcões. Ao deitar fora esta hipótese viável e procurar um parceiro baseado na equívoca solidariedade estatal, aquele senhor que ficou de presidente dos CTT, cujo nome agora não me ocorre, e que eu pensava que sabia tanto de negócios e de empresas como o Impertinente sabe de electrotecnia, aquele senhor, dizia, demonstrou que sabe ainda menos do primeiro tema do que eu do segundo. Ao procurar tal parceiro aquele senhor chamou implicitamente de besta ao finório que preside à Caixa, convidando-o a dar um tiro nos pés e arruinar o seu próprio negócio. Passado o período de nojo que estes coisas entre vizinhos exigem, o finório deixou aquele senhor anunciar a morte dum cadáver já frio há um ano.

O segundo, é o anúncio pelo governo (convenientemente apresentado como um documento a que o DN teve acesso) da criação da Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) que irá gerir e acompanhar os supranumerários, ao mesmo tempo que prestará serviços (compras? logística? processamento de salários? gestão da frota automóvel?) à Administração Pública. Parecendo à primeira vista um modelo da plataforma de backoffice adoptado por inúmeros grupos e grandes empresas, as parecenças abortam, ainda antes das 10 semanas, quando se antecipa o resultado de atulhar na ESPAP os supranumerários alijados pelos outros serviços, por invalidez e/ou incompetência, que terão que ser duplicados por gente mais expedita a recrutar nas longas listas de espera do PS. Todo este aparato acabará devidamente ancorado em empresas de consultoria que no final farão o trabalho e poderiam dispensar os supranumerários e até os numerários.

10/12/2006

CASE STUDY: 5% de inspiração e 95% de transpiração

Ao ler o post do maradona sobre o inspirado pontapé livre de Ronaldinho (vídeo aqui), lembrei-me de What it takes to be great publicado na Fortune há uns tempos.

O jornalista Rob Hughes citado por maradona parece acreditar que o génio de Ronaldinho surge miraculosamente dentro do crânio do homem, por obra e graça do divino espírito santo. Se for assim, peço licença para discordar da luminária. Se a coisa fosse tão simples, da lei dos grandes números deveria resultar que entre o Seixal e Alcochete já teriam surgido um ou dois Ronaldinhos. Suspeito que será preciso acrescentar algo mais. No caso do Ronaldinho, dizem-me, é o seu cão com quem brinca com uma bola de ténis incontáveis horas por dia (os colegas de equipa já não estão para o aturar).

Chegados a este ponto, temos um bom ponto de partida para perceber porque diabo, havendo tanto talento em Portugal e tantas mentes brilhantes à espera de serem descobertas (*), se encontra a pátria em permanente declínio desde o século XVI, com dois curtos períodos que se seguiram à adesão à EFTA no princípio dos anos sessenta e à adesão CEE no meio da década de oitenta (think about).

É aqui que entra Geoffrey Colvin fazendo o ponto de situação das pesquisas sobre a relação entre o talento natural e a excelência no desempenho, seja ele no desporto, nas artes, nas ciências ou no negócio. A conclusão curta e grossa é: the lack of natural talent is irrelevant to great success. The secret? Painful and demanding practice and hard work.

A leitura de «What it takes to be great» pode assim ajudar a perceber melhor que uma cultura que desvaloriza o esforço, o trabalho duro, o saber fazer, a procura (obsessiva) da excelência, os resultados práticos e privilegia a oratória, os elaborados rendilhados intelectuais, a elegância imaterial do processo contra a rude materialidade do produto, dificilmente transforma talentos naturais em grandes performers. Mais facilmente transforma talentos naturais em brilhantismos pueris e amaneirados. E sem ovos não há omeletas, ou sem grandes performers não há grandes performances.

(*) Como nos recordam todas as semanas as inumeráveis páginas do Expresso e do seu alter ego Sol, onde jornalistas separados à nascença se esfalfam por melhorar a nossa auto-estima.

09/12/2006

CASE STUDY: quem dá o pão, dá o pau

Nas suas reflexões sobre o Estado Moderador, Rui Ramos responsabiliza a esquerda moderna pelo intervencionismo moralista do estado napoleónico-estalinista que invade o domínio privado dos cidadãos pretendendo iluminá-los para «os levar a valorizar o serviço» (nacional de saúde) ou querendo impor-lhes um contrato bilateral com o Estado, para os levar a aceitar o ónus dos seus putativos deveres face ao mesmo estado napoleónico-estalinista.

A primeira é a versão doméstica das taxas moderadoras do engenheiro Sócrates, inventada depois da falência inescapável do SNS. A segunda é a versão de Tony Blair, inventada vários biliões de libras depois despejados sobre o NHS.

A mim não me parece que a esquerda, seja a moderna ou a tradicional, tenha especiais culpas neste estado de coisa. Em Portugal, pelo menos, é especialmente evidente que, à parte pequenas miudezas, a direita propõe e tem aplicado a mesma medicina e nunca pôs em causa a panaceia do serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito. A direita (e a esquerda, quanto está atascada no atoleiro das finanças públicas) discute, quanto muito, o que seja tendencialmente.

Na Grã-Bretanha, afora os tempos longínquos da Iron Lady, também não me parece que os tories se distingam especialmente dos trabalhistas a este respeito. Isso é especialmente evidente com o actual líder conservador David Cameron aka Dave the Chameleon, cujas propostas, neste domínio como noutros, não são muito diferentes das de Blair.

Também não me parece que as responsabilidades se esgotem nos políticos, das direitas ou das esquerdas, que foram livremente eleitos para aplicar tais políticas. Políticas que, reconheça-se, são as políticas que os cidadãos esperam que apliquem, mas cujos custos parecem pouco dispostos a suportar.

E esses custos vestem diferentes roupagens, todas elas bastante chocantes para os sujeitos passivos, por umas razões, e para as elites bem-pensantes, por outras. Se o peso da carga fiscal é já asfixiante (Portugal) ou começa a sê-lo (GB), o que incomoda a generalidade dos contribuintes, a intrusão do estado napoleónico-estalinista na vida sexual, nos hábitos de consumo e nos vícios privados incomoda sobretudo as elites. Incómodo que, se é hipoteticamente genuíno no caso das luminárias liberais, é repulsivamente hipócrita no caso das luminárias colectivistas, de esquerda ou de direita.

07/12/2006

SERVIÇO PÚBLICO: a notícia da retoma é um pouco exagerada ou a economia não se deixa impressionar com sound bites do governo

Teixeira dos Santos considera que números do PIB confirmam retoma económica (DE). Pois.

O aumento dos juros da dívida nacional pública e privada ao estrangeiro que este ano já estava em quatro mil milhões de euros, deve atingir cinco mil milhões de euros com o impacto nas Euribor do aumento da taxa de refinanciamento para 3,50% que o BCE decidiu hoje.

O aumento previsto pela OCDE do défice da balança de transacções correntes para 9,2% em 2007 e 9,9% em 2008, talvez se explique porque «anda muita gente a financiar o consumo com dinheiro que não é seu».

Apesar da grandiloquência dos governos dos senhores engenheiros Guterres e Sócrates e do senhor doutor Durão Barroso aka José Barroso, das agendas Lisboa e dos Planos Tecnológicos, nenhum destes senhores se incomodou a obrigar os operadores TMN, Optimus e Vodafone a investir os quase mil milhões de euros «que se comprometeram investir no desenvolvimento da Sociedade de Informação (SI) durante os 15 anos de duração da licença para exploração do UMTS (ou terceira geração), aquando do concurso público de atribuição das licenças». (JN)

06/12/2006

DIÁRIO DE BORDO: a maiêutica do aborto (16)

E o espermatozóide? Não é para aqui chamado?

E o dono do espermatozóide? Não tem direitos? E, já agora, não tem obrigações?

Exercícios anteriores de maiêutica em (0), (1), (2), (*), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (13), (14) e (15)

(*) O n.º 3 abortou.

05/12/2006

BREIQUINGUE NIUZ: Madonna crucificada

A performer Madonna, Louise Cicciolina na vida real, vai representar pendurada numa cruz no próximo domingo, em Roma, a versão softcore de «Live To Tell» durante um espectáculo de karaoke, que é o primeiro depois da sua tentativa falhada de comprar um rapazinho no Malawi .

Por alguma razão, não são esperadas manifestações de protesto dos movimentos politicamente correctos, condenando a ofensa, implícita na prestação, aos fiéis de uma religião cujas origens remontam à Palestina ocupada pela potência imperial da época, dois mil anos atrás. Por alguma outra razão, não se prevê que os fiéis dessa religião venham a queimar viva a promíscua performer, como no passado os seus antecessores fizeram com outras blasfemas, por muito menos (ver mais aqui).

04/12/2006

BLOGARIDADES: esadof, o homem é humano!

«Esadof! Como é grande o poder do capitalismo para fazer dissolver os bons velhos costumes, tementes à Obra, do Millenium BCP, fazendo-o, esadof!, falar assim para vender uns servicinhos à malta do dito...» (Abrupto)

03/12/2006

ESTÓRIA E MORAL: para que servem as leis?

Estória

Na sequela das supostas declarações do ministro da Propaganda, «o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) recusa a ideia que a ERC seja uma entidade com competências censórias. ... Azeredo Lopes chama a atenção para o facto de os artigos da lei que determinam a capacidade de a ERC mandar suspender programas e a emissão serem, na prática, inaplicáveis. "Se considerarmos que uma operadora está a passar um programa claramente pornográfico, poderemos notificar a estação para suspender esse programa. Mas a operadora pode recorrer judicialmente da decisão e o caso pode prolongar-se na justiça por mais de três anos, até que transite em julgado e se possa aplicar alguma coima"». (Expresso)

Moral

As leis em Portugal são duras, mas a prática é mole (Filipe II de Espanha, I de Portugal)

02/12/2006

DIÁRIO DE BORDO: a maiêutica do aborto (15)

Pode legitimar-se o aborto com vários fundamentos. O mais honesto de todos é o dos direitos da mulher. A mulher é dona do seu corpo, logo a remoção do embrião ou do feto é uma decisão da qual não tem que dar satisfações - é equivalente à remoção dum pólipo. Neste caso, Sócrates (o da maiêutica) perguntaria: sendo assim, porquê limitar o aborto às 10, ou 12 ou 16 semanas? Ou ainda, e o embrião ou o feto não têm direitos?

Há também o fundamento científico que está quase sempre implícito nos que não têm a ousadia de usar o fundamento absoluto dos direitos da mulher. O embrião ou o feto só é um ser humano quando há vida cerebral e esta começa às 12, às 16 semanas, mais tarde ou mesmo muito mais tarde, segunda a seita. Até lá, o embrião ou o feto não teria direitos. A estes Sócrates (o da maiêutica) poderia perguntar onde estão as provas disso, se não há consenso na comunidade científica? E, na dúvida, será razoável esperar 10 semanas se a mulher sabe está grávida, em média, depois de 4/5 semanas e, em caso de dúvida, pode fazer um teste que custa o equivalente a um ou dois carregamentos de telemóvel?

Temos os argumentos utilitaristas. A liberalização do aborto até às 10 semanas irá diminuir o número de abortos, dizem uns. Como assim? Quem hoje faz um aborto clandestino não o faria podendo fazê-lo gratuitamente num hospital? E quantas mulheres que hoje ponderam o risco e o desconforto material e moral contra o desconforto de um filho não desejado e acabam por aceitar a segunda alternativa, não recorreriam ao aborto gratuito em hospital?

A liberalização do aborto irá diminuir a criminalidade associada aos filhos indesejados em famílias disruptivas que mais tarde serão delinquentes, alegam outros. Talvez sim. Mas então porque não prolongar um pouco mais a lógica e a moral subjacente e aceitar a eutanásia dos jovens presumíveis futuros delinquentes?

A penalização do aborto não evita que os abortos se continuem a fazer em más condições sanitárias, com maior risco para a mulher e adicionando a sanção moral e jurídica da sociedade ao sofrimento da própria mulher (um argumento particularmente repugnante), defendem alguns. É provavelmente verdade. Mas, uma vez mais, porque não prolongar um pouco mais a lógica e a moral subjacente e defender despenalização do crime passional (por exemplo, o assassinato do marido por ciúme) cuja sanção moral e jurídica se acrescenta ao sofrimento da própria mulher?

Exercícios anteriores de maiêutica em (0), (1), (2), (*), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (13) e (14).

(*) O n.º 3 abortou.

01/12/2006

BREIQUINGUE NIUZ: desde que, disse ele

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação da extrema-direita de natureza xenófoba o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"». (Augusto Santos Silva, ministro da Propaganda, citado pelo Expresso, posteriormente corrigido)

Outras doutrinas que outros ministros da Propaganda poderiam ter estabelecido se tivessem a oportunidade e o Expresso lhes desse guarida:

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação da extrema-esquerda de pró-aborto o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação comunista de natureza internacionalista o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação da centro-esquerda de natureza colectivista o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação do centro-direita de natureza pró-europeia o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação da esquerda libertária de natureza anarquista o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

«Os espaços informativos ficam salvaguardados desta legislação desde que, por exemplo, "no final de uma reportagem sobre uma manifestação da direita de natureza capitalista o pivô se iniba de fazer comentários favoráveis à manifestação"»

30/11/2006

SHORT STORY, BIG MORAL: road to serfdom (5)

Story (resumption)


















Moral
Few can foresee whither their road will lead them, till they come to its end (J. R. R. Tolkien)

29/11/2006

ARTIGO DEFUNTO: a gestão mediática da EDP

Página do resumo de Empresas do Jornal de Negócios

Semapa mais que duplica lucros nos primeiros nove meses
Terça, 28 Nov 2006
Os lucros do grupo Semapa registaram, nos primeiros nove meses do ano, uma subida de 120% para os 63,6 milhões de euros face ao período homólogo
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CMVM multa Círio de Rica em 50 mil euros
Terça, 28 Nov 2006
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários anunciou hoje que decidiu aplicar uma multa de 50 mil euros à Círio de Rica, pelo facto da empresa não ter divulgado antecipadamente a participação qualificada na Sopragol.
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Em parceria com Enagas através da HC
EDP adquire participação em terminal de gás em Espanha
Terça, 28 Nov 2006
O presidente da EDP assegurou hoje em São Paulo que a entrada da participada Hidrocantábrico no terminal de regasificação de El Musel faz parte da estratégia do grupo para aumentar a presença no mercado gasistico espanhol através da sucursal Naturgas.
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CIRES regista prejuízo de 282,4 mil de euros nos primeiros nove meses
Terça, 28 Nov 2006
A CIRES – Companhia Industrial de Resinas Sintética registou nos primeiros nove meses do ano um prejuízo de 282,4 mil de euros. No mesmo período de 2005, a empresa tinha alcançado um resultado positivo de 432 mil de euros.
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António Mexia
EDP concorre ao Alqueva “para ganhar”
Terça, 28 Nov 2006
O presidente da EDP confirmou hoje que a eléctrica portuguesa vai participar no concurso que o Governo vai lançar para a entrega da gestão da barragem do Alqueva. "Acreditamos que temos a melhor solução e vamos ao concurso para ganhar", disse António Mexia.
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EDP apresenta plano estratégico em meados de Janeiro
Terça, 28 Nov 2006
A administração da EDP está a ultimar o plano estratégico da empresa até 2010 estando prevista a sua apresentação em meados de Janeiro. Sem querer revelar para já detalhes, Antonio Mexia afirmou que o plano estratégico aprovado na generalidade em Junho prevê um crescimento anual na ordem dos 11% em termos de EBITDA.
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EDP decide até ao primeiro trimestre de 2007 envolvimento na Naturgas
Terça, 28 Nov 2006
A EDP vai decidir até ao primeiro trimestre de 2007 o envolvimento no projecto da Naturgas, em que tem já o controlo accionista com 56% do capital através da participada Hidrocantabrico.
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EDP prepara venda da sede no Marquês de Pombal
Terça, 28 Nov 2006
A EDP vai decidir nas próximas duas semanas quais os activos imobiliários que vai alienar. O presidente da eléctrica revelou aos jornalistas que a empresa já recebeu várias propostas e que será o valor a condicionar a decisão sobre qual dos imóveis vai ser vendido.
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EDP vende participação na REN em três blocos de 5%
Terça, 28 Nov 2006
A EDP vai vender a fatia de 15% que detém na REN em três blocos de 5%, anunciou esta manhã em São Paulo o presidente da eléctrica. Antonio Mexia revelou ainda que as propostas vão ser entregues a até ao final desta semana e que existem interessados “de todo o mundo”.
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António Mexia
Compra de 10% da Endesa pela EDP “não faz sentido”
Terça, 28 Nov 2006
António Mexia garantiu hoje aos jornalistas que a notícia que dá conta que a Acciona terá pedido para à EDP para comprar 10% da Endesa para bloquear a OPA “não faz qualquer sentido”.

DIÁRIO DE BORDO: ele há amigos do liberalismo que são os seus piores inimigos

Quando leio o que escrevem nos seus momentos zazen alguns adeptos do lunatismo liberal, dou graças ao altíssimo por privar a maior parte da choldra do acesso aos blogues liberais. Não fora essa divina providência e esses delírios diletantes fariam mais pelo colectivismo que todos os colectivistas juntos.

28/11/2006

SHORT STORY, BIG MORAL: road to serfdom (4)

Story (resumption)





















Moral

The road doesn't tell the traveler what lies ahead (Bantu Proverb)

ESTADO DE SÍTIO: crise? qual crise?

«Um ano depois da aprovação no conselho de ministros (a 24 de Novembro de 2005), o Plano Tecnológico apresenta uma taxa de execução de 89%, segundo o último balanço do gabinete responsável pelo programa» (Jornal Digital).

Já só faltam 11%? Já perceberam como o país está diferente?

«Portugal é um dos países industrializados onde a criação de uma empresa é mais demorada, sendo precisos em média 54 dias e deslocações a 11 organismos distintos, de acordo com um estudo do Instituto de Economia alemã de Colónia» (Diário Económico).

Não ouviram falar do Simplex?

«O peso dos salários (por conta própria e por conta de outrém) no PIB português será de 73,3% em 2006, segundo dados da Comissão Europeia: este é o maior valor de toda a Zona Euro» (Jornal de Negócios).

Eles comem tudo? E não deixam nada?

Ainda há problemas? Se houver, é porque o governo do senhor engenheiro ainda não teve tempo de explicar aos sujeitos passivos que a coisa já está 89% resolvida.

27/11/2006

SHORT STORY, BIG MORAL: road to serfdom (3)

Story (resumption)





















Moral

The road to hell is paved with good intentions (English Proverb)

26/11/2006

SHORT STORY, BIG MORAL: road to serfdom (2)

Story (resumption)


















Moral

The road up and the road down is one and the same (Heraclitus)

25/11/2006

SHORT STORY, BIG MORAL: road to serfdom (1)

Story
















Moral
To know the road ahead, ask those coming back (chinese proverb)

23/11/2006

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: aversão ao risco é o que nos sobeja

A propósito do desemprego e da inflexibilidade das leis laborais transcreve o Blasfémias um comentário de Jorge A. de onde respigo a seguinte passagem: «não acredito que a aversão ao risco dos portugueses, seja maior que noutras sociedades, simplesmente o risco cá é maior. As leis que regem o mercado de trabalho é que deviam mudar radicalmente».

Nada mais errado. Não é por acaso que as leis laborais portuguesas são o que são. Elas são assim porque a aversão ao risco dos portugueses não é apenas maior do que noutras sociedades, ela é uma das maiores do planeta, como demonstraram os estudos de Geert Hofstede (*) a que o Impertinências já fez referência várias vezes (por exemplo aqui). E o risco, isto é a combinação da probabilidade dum evento e das suas consequências, por cá não é maior, é menor, porque a probabilidade de perder o emprego é baixa e as suas consequências são mitigadas por um generoso esquema de subsídio de desemprego.

Se ser uma das sociedades com maior aversão ao risco não fosse tragédia suficiente, a sociedade portuguesa acumula com o facto de ser uma sociedade tão colectivista como as asiáticas (que têm uma aversão ao risco menor, ou mesmo geralmente muito menor, do que a portuguesa).

É por isso que os portugueses apreciam tanto o liberalismo como a sarna.

(*) Em boa verdade, o trabalho de Hofstede só confirma o óbvio ululante que resulta da observação do estereotipo do trabalhador luso.

22/11/2006

CASE STUDY: adira primeiro e pague depois

«Portugal foi o país da Zona Euro que perdeu mais velocidade, em termos de crescimento económico, desde que foi adoptada a moeda única em 1999. Esta é uma das conclusões que se podem retirar do relatório anual sobre a economia europeia, este ano consagrado ao balanço de oito anos de Euro.» (Público)

Gradualmente vão ficando visíveis as consequências da adopção do Euro na ausência das reformas indispensáveis para que a zona Euro pudesse ser para Portugal algo não tão infinitamente longe duma zona monetária óptima. Na falta dessas reformas e, à cabeça de todas, na falta do emagrecimento do Estado libertando recursos para a economia funcionar, Portugal ganhou uma estabilidade monetária que só serviu para tornar o crédito barato que puxou pela construção, criou uma bolha imobiliária, fez disparar as importações de bens de consumo duradouro e, last but not least, fez os salários crescerem bem mais rápido do que a produtividade.

Ganhou estabilidade monetária e perdeu o controlo sobre instrumentos de política monetária que seriam decisivos para compensar a falta de reformas e diminuir a perda de competitividade. Não fora o Euro e já teriam sido feitas, nos últimos 8 anos, 2 ou 3 desvalorizações.

É claro que é muito mais fácil entrar do que sair da zona Euro. Contudo, o Euro não deve ser visto como uma vaca sagrada e, se o governo continuar a não fazer as reformas necessárias, a saída lógica seria abandonar o Euro. Coisa que nenhum governo português jamais fará e por isso só vale a pena falar no tema para evidenciar o dilema hamletiano.

Já que se fala do Euro, recomenda-se a leitura de «An uncommon current» no Economist desta semana.

21/11/2006

SERVIÇO PÚBLICO: Deutsche Columbine

«Um homem encapuzado e armado entrou hoje numa escola da cidade alemã de Emsdetten e disparou vários tiros, ferindo oito pessoas. O atacante acabou por morrer, desconhecendo-se ainda em que circunstâncias ocorreu a sua morte. O porta-voz da polícia local, Klaus Laackmann, disse que a escola já foi evacuada e que todos os alunos e professores estão a salvo. De acordo com a cadeia de televisão N-TV, o atacante tinha 18 anos de idade e era antigo aluno da escola. Junto ao corpo do atacante foram descobertos vários explosivos, que já foram desarmados pela polícia.» (Público)

Aguarda-se ansiosamente um Michael Moore germânico.

20/11/2006

ESTADO DE SÍTIO: sinais de fumo - «a engenharia interpretativa»

As reacções ao OE 2007 por parte de muitas luminárias, umas supostamente independentes e outras da oposição, foram com poucas excepções estranhamente eufemísticas perante factos óbvios. A conversa resumiu-se quase sempre à treta da consolidação possível, do orçamento possível, do estamos no bom caminho, bla bla.

Foi preciso esperar pela doutora Manuela Arcanjo, colega do engenheiro Sócrates num dos governos Guterres, para que coisas mais substanciais fossem escritas. Leia-se o texto sibilino da ex-secretária de estado do Orçamento no DN de hoje.

O mistério do Orçamento do Estado

A leitura do Relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2007 deixou-me diversas certezas: não é, ao contrário do afirmado, um OE orientado para o crescimento económico; o esforço de consolidação é menos intenso do que o realizado em 2006 e fortemente baseado na receita; são discutíveis, por razões diferentes, duas das suas quatro prioridades (combater a pobreza apenas ao nível dos idosos e prestigiar Portugal no âmbito da futura presidência); pretende ter por referência uma reforma que ainda não produz efeitos (Segurança Social) e outra que não existe (Saúde).

Mas a minha atenção centrou--se na misteriosa relação entre a publicitada redução nas despesas de funcionamento (despesas de pessoal e aquisição de bens e serviços) da administração central e a reforma da administração pública. Algumas questões colocadas ao ministro das Finanças (MF) ficaram sem resposta; a outras foi respondido que não se "pretendia cortar cabeças" ou que as novas leis orgânicas iriam reduzir de forma muito expressiva as estruturas e cargos de direcção. O que diversos analistas interpretaram como prudência pode ter outra explicação.

Ainda com base no referido relatório, é possível concluir que as despesas de pessoal apresentam uma redução de cerca de 610 milhões de euros (-4,5%) face a 2006 (estimativa de execução, incorporando já o aumento da massa salarial); ora, a redução prevista apenas nos ministérios da Educação e da Saúde aponta para cerca de 670 milhões de euros. Duas conclusões: primeira, são os ministérios onde mais se faz sentir o congelamento das progressões, a contenção salarial e as aposentações; segunda, diversos ministérios apresentam mesmo um aumento desta despesa.

No que respeita à aquisição de bens e serviços, verifica-se que em 7 dos 15 ministérios há um aumento desta despesa. Este não é o resultado oposto ao esperado pela reorganização dos serviços?

Como é que estes dados se relacionam com as muito discutidas reduções de 3,6% e de 5% na despesa de funcionamento do Estado e dos serviços e fundos autónomos, respectivamente? No primeiro caso, trata-se simplesmente de considerar apenas a componente financiada por receitas gerais, o que traduz uma "engenharia interpretativa" e ainda uma má prática orçamental, pelo recurso acrescido a receitas consignadas. No segundo caso, trata-se de uma cativação que se tornará, ou não, em redução efectiva no final da execução.

Duas conclusões alternativas: os efeitos da reforma da administração pública não estão contemplados no OE ou, se estão, são contrários ao esperado. Se esta não faz sentido, a primeira pode traduzir uma reforma adiada. O mistério não está objectivamente resolvido, mas agora entendo a razão para muito riso e sorriso do MF num debate televisivo recente.
Depois dum congresso aclamativo, serão as primeiras fendas no edifício socrático?

19/11/2006

CASE STUDY: eles comem tudo, eles comem tudo (e não deixam nada?) (3)

Primeiro o governo adicionou à sua workbench de manobras de diversão e manipulação o aborto livre, universal e gratuito. Depois, para felicidade dos adeptos do não, aditou o vampirismo da banca, a propósito do equívoco arredondamento das taxas de juro. Aqui acertou na mouche - o povo endividado até à 3.ª geração que conduz o carro do banco, vive na casa do banco e passa férias com dinheiro emprestado pelo banco, olha para os seus benfeitores com sentimentos contraditórios em que predomina o ressentimento.

Enquanto isso, a Standard & Poor mostrava os pés de barro de alguns grandes bancos europeus, e outros menos grandes, como o nosso campeão Millenium bcp, que teria uma insuficiência não relevada no balanço de mais de mil milhões de euros nos fundos de pensões do seu pessoal.

A nossa imprensa económica lá foi lidando com o problema o melhor que podia (pode pouco), ao mesmo tempo que o CFO do Millenium bcp esclarecia a trapalhada o melhor que convinha (podia mais, mas arriscava o lugar). Na sexta-feira o Semanário Económico também tratou a coisa o melhor que pôde (pôde apenas um pouco mais do que a concorrência).

E o que se percebe por trás do smog da ignorância, falta de diligência, contradições e desinformação? Percebe-se que o Millenium bcp tem uma insuficiência nos fundos de pensões de 1.500 milhões, na companhia do BES (600 milhões) e do BPI (300 milhões). Escapa o Totta Santander, que parece ter as contas em ordem.

Não deixa de ser interessante ver o contorcionismo do CFO do Millenium bcp, cuja versão da estória é a de que o problema residiria na adopção em 2005 dumas esquisitices - as normas IFRS. Delas resultaria essa pequena contrariedade referida pela S&P que, contudo, já estaria resolvida com uns abates ao core-tier 1 e com o célebre corredor, simples passes de mágica que transformariam um balanço onde faltam 1.500 mil milhões no passivo numa technality que o tempo resolverá em 20 anos.

Em conclusão, o que parece não é. Os bancos não ganham o suficiente para suportar os custos das suas políticas de emagrecimento dos efectivos que remeteram vários milhares de felizardos para uma reforma antecipada passando, em muitos casos, por um período de «desemprego» pago pela Segurança Social. Se esses custos futuros tivessem sido convenientemente relevados nas contas dos respectivos exercícios não teriam os bancos apresentado os lucros que apresentaram e que despertaram a gula do governo e a sanha popular.

Curiosamente nada disto parece ter afectado a cotação de qualquer dos bancos visados. E agora a pergunta fatal: porque retirou o então BCP em 2003 as suas acções da London Stock Exchange e da Euronext Amsterdam e as American Depositary Shares da NY Stock Exchange?

18/11/2006

SERVIÇO PÚBLICO: sobre a cadeia FNAC

Todos conhecemos as lojas Fnac, a gigantesca cadeia francesa de "cultura".

Pois bem, quando apareceu em Portugal há 8 anos, arrasou literalmente com toda a concorrência nacional. Lembram-se das grandes livrarias e da Valentim de Carvalho, Loja da música, discoteca Roma e outras?

Foi tudo "ao ar", pois os preços e a oferta da Fnac eram de facto imbatíveis. Passados 8 anos e aniquilada a concorrência, a FNAC começou a mostrar as suas garras. A boa oferta mantém-se é um facto, mas os preços são absolutamente um roubo. Especialmente nos DVDs e nos CDs. Os livros ainda vão tendo um preço, na maioria dos casos aceitável. Mas se quiser comprar um dvd, vá à Fnac, onde eles estão mais arranjados e ordenados, escolha o que deseja, e depois desça as escadas e vá comprá-lo ao Jumbo (se estiver no Fórum Almada, ou à Worten se estiver no Colombo ou no Algarve, etc.) e vai ficar espantado com a diferença.

Vai poupar cerca de 2 eur - 400$00 por DVD!! E não se deixe enganar pela história dos pontos fidelidade e do "preço mínimo garantido" que ostentam nos vistosos autocolantes verdes. É uma mentira.

Fui gozada pelo responsável de loja da Fnac Almada, Sr. José Parreira, que me disse que se quisesse o preço mínimo que fosse comprar ao Jumbo.

E assim fiz:

O pack primeira série Friends em Português: 19,95 no Jumbo e 21,49 na Fnac.

O Smallville 3ª série, 54,98 eur na Fnac e 50,49 Eur nas grandes superfícies.

A série ER-Serviço de Urgência em que todas as séries a partir da 2 custam cerca de 40,00 em TODO o lado e na Fnac estão a 53 Eur!!

Se mais gente começar a ter esta atitude, a Fnac vai aprender e vai baixar os preços. Temos de mostrar a estes franceses que a galinha dos ovos de ouro não se chama Portugal.

Espalhem isto, amantes da "cultura". Obrigado!


(de um email que me chegou via um detractor habitual)

17/11/2006

DIÁRIO DE BORDO: os maiores podem ser os melhores ou os piores, ça dépende

Enquanto uns se entretêm com a ESCOLHA DO MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE, outros (o jornal Metro) fazem inquéritos para saber quem é o PIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE, e obtêm de 3 jovens entre os 22 e os 26 anos, respostas como estas:

  • «O rei D. Afonso, por ter batido na mãe» (um estudante de 23 anos que ainda não largou a saia da mãe)
  • «Salazar. Dirigia um regime autoritário e deixava que o povo vivesse em condições degradantes» (uma professora de 26 anos a pensar nas manifs dos profs)
  • «O Pinto da Costa, porque não olha a meios para atingir os fins» (outro estudante de 23 anos, presumivelmente mouro)
Respostas que também poderiam ser escolhas do maior português de sempre. Não por mim, que dos 3 só consideraria como sério candidato Afonso Henriques, que nem sequer era português - ou seria um português avant la lettre? E, se escolhesse o Afonso, não era por ter batido na mãe, apesar dela estar a pedi-las - ou ela ou a irmã Urraca.

Os portugueses amam (o respeitinho é muito bonito) e odeiam, alternadamente, consoante a situação e o grau de enrascanço, as figuras públicas que sentem que mandam. Nas vacas gordas tendem a odiar. Nos períodos de transição, geralmente caracterizados por grandes maninfestações e outras trapalhadas, dividem-se. Uns suspirando uns pelo regresso da mão firme e outros pela baderna final, que no caso da esquerdalhada deveria culminar com a tomada do nosso modesto palácio de inverno. Ao realizarem, com 2 ou 3 anos de atraso, a chegada das vacas magras, aceitam com mansidão, rosnando baixinho, ser pastoreados até aos amanhãs que um dia cantarão.

16/11/2006

SERVIÇO PÚBLICO: um PRACE em frente dois passos atrás

O anti-leninismo do governo, visto por Sérgio Figueiredo, demonstrado ontem pelo doutor Teixeira dos Santos, segundo uns, ou pelo seu ajudante, segundo outros, ao garantir que «os contratos individuais não se aplicam às centenas de milhares dos actuais funcionários públicos, que têm garantido o emprego para a vida».

15/11/2006

CASE STUDY: os equívocos do salário mínimo

A propósito do putativo aumento do salário mínimo para 400 euros, oportunamente anunciado pelo primeiro ministro/secretário geral do PS (cortar o que não interessa), a bloguilha liberal tem defendido a doutrina habitual dos efeitos negativos para o emprego (por vezes apresentados como desastrosamente negativos) da simples existência do salário mínimo, e ainda mais do seu aumento. Se não se importam, tenho sérias dúvidas que tal se possa concluir com essa facilidade.

Em primeiro lugar, os efeitos negativos (ou positivos) do salário mínimo dependem obviamente da relação deste com o segmento inferior da grelha de salários efectivamente praticada - se, por absurdo, com a actual distribuição estatística dos salários portugueses, os efeitos negativos (ou positivos) dum salário mínimo mensal em 100 euros seriam absolutamente irrelevantes.

Em segundo lugar, em muitos países onde existe, o salário mínimo abrange apenas uma pequena fracção dos activos: 5% no caso dos EU, em que representa cerca de 30% do salário médio (ver aqui) e, em Portugal, de 6,2% em 2003 baixou para 4,5% em 2005, representado cerca de 50% do salário médio (ver aqui).

Em terceiro lugar, porque essa pequena fracção dos activos é a menos qualificada. No caso português, muitos deles são empregadas domésticas, biscateiros, etc., têm empregos precários e na maioria dos casos produzem bens ou serviços não transaccionáveis. Protegidos da concorrência internacional, esses bens ou serviços não irão evidentemente ser produzidos ou prestados algures na China, no Vietname, ou elsewhere.

Em quarto lugar, porque a teoria divide-se: entre os 650 economistas americanos (na sua maioria de esquerda, esclareça-se, mas nem todos obviamente idiotas) que apoiaram recentemente o aumento do salário mínimo encontram-se 5 prémios Nobel (A blunt instrument).

Em quinto lugar, porque os estudos empíricos realizados mostram resultados contraditórios (A blunt instrument) e quase sempre limitados, quer nos seus efeitos negativos (redução do emprego), quer nos seus efeitos positivos (melhoria de vida dos trabalhadores com menores salários).

Em conclusão, no ponto em que as coisas estão, não vale a pena gastar muito latim, nem perder o sono. Acordem-me quando o senhor engenheiro anunciar, vibrante, poucos dias antes das eleições de 2009, que o salário mínimo vai ser aumentado para 600 euros.

14/11/2006

CASE STUDY: eles comem tudo, eles comem tudo (e não deixam nada?) (2)

Com o respeitinho que o Millenium bcp em especial, e a banca em geral, merecem à imprensa et pour cause, o Diário Económico e o Jornal de Negócio escarafuncham timidamente a ferida aberta pela S&P.

A «responsabilidade - ainda não reconhecida no balanço - com o respectivo fundo de pensões ultrapassa os mil milhões de euros» avança o JN. O Millenium bcp e os outros bancos «optam por diferir esses custos (com os fundos de pensões) ... por períodos que costumam superar os dez anos, uma medida permitida por lei e pelo Banco de Portugal. O administrador financeiro do BCP, António Rodrigues, afirmou ontem à Reuters que esta instituição optou por uma amortização a 20 anos», informa o DE.

Como se adivinha por entre as brumas da desinformação, estamos num território pantanoso, onde ninguém se quer atolar para evitar por acidente chegar à conclusão que a banca - onde se encontram os poucos campeões que se conseguem vislumbrar na deprimida economia lusa, afinal têm pés de barro, cada vez mais difíceis de esconder com a aplicação gradual das IFRS - International Financial Reporting Standards e Basileia II que já está no horizonte.

ESTADO DE SÍTIO: sol - a tecnologia de ponta nacional

«Nos últimos seis meses, a economia portuguesa recuperou e este investimento, tal como outros que se fizeram e anunciaram neste período, vem demonstrar a confiança dos investidores estrangeiros na economia portuguesa», ufanou-se o senhor engenheiro Sócrates, no momento Chávez (*) de lançamento da primeira pedra da fábrica de painéis fotovoltaicos de Moura, «que vai utilizar tecnologia de ponta, tem uma incorporação de valor nacional superior a 50 por cento». (Fonte Correio do Alentejo de 03-11)

Menos de 2 semanas depois, a empresa espanhola Acciona Energía, numa demonstração de confiança na economia nacional, anuncia que encomendou ao grupo chinês Yingli o fornecimento dos painéis solares (a tecnologia de ponta) para a primeira fase de construção da central solar de Moura. (Jornal de Negócios)

(*) Copyright Abrupto

13/11/2006

CASE STUDY: eles comem tudo, eles comem tudo (e não deixam nada?) ACTUALIZADO

Agora que o governo investiu na banca as suas manobras de diversão, e a armada liberal terça armas em defesa dessas criaturas maléficas/benfeitoras (cortar o que não for aplicável), talvez tivesse interesse saber que a Standard & Poors estima que o Millenium bcp «se encontra entre os cinco grupos europeus cujo fundo de pensões possui um 'buraco' superior a mil milhões de euros».

Deixando de lado o buraco, termo que é próprio da linguagem de mineiro, como num dia inspirado concluiu o falecido professor Sousa Franco, quando confrontado com o (então modesto) buraco das finanças públicas, o que isto quer dizer é que falta relevar no passivo do Millenium bcp mais de milhões de euros de responsabilidades por pensões. Não se tratando do estado que tem uma contabilidade de partidas simples e, por essas e por outras não é confiável, estas responsabilidades deveriam estar representadas no passivo e não estão. Se o estivessem, os fundos próprios totais do Millenium bcp, que se reduziram de 6.852 milhões em 30-06-2005 para 6.653 milhões um ano depois, teriam sido reduzidos para 5 mil e tantos milhões se as estimativas da S&P estiverem correctas.

Quem é que falou em lucros excessivos?

ACTUALIZAÇÃO:
O Diário Económico acabou (às 18:20) de publicar um esclarecimento do CFO do Millenium bcp que só li poucos minutos depois de publicar este post:
«Quanto às diferenças actuariais, o banco usa o chamado 'método do corredor', sendo que todo o valor para além deste corredor - 921,6 milhões dedeste corredor - 921,6 milhões de euros - foi já abatido a fundos próprios de base core-Tier1. A nossa situação de capital está pois já descontada desses valores. Para efeitos de resultados adoptou-se um plano de amortizações em 20 anos, em linha com o prazo médio das responsabilidades, mas para efeitos de capital já foi abatido.»

Até saber a reacção da Standard & Poors eu não deitaria foguetes - se não se importam.

12/11/2006

SERVIÇO PÚBLICO: eles desfazem tudo o que fazem

«Os socialistas desfazem tudo o que fazem. Sempre foi assim. Empregos públicos a mais. Privilégios para as corporações. Facilidades na saúde. Desperdício na educação. Obras públicas sem controlo. Laxismo nas autarquias. Desorganização da justiça. Auto-estradas sem portagem. Muito e de tudo. Abriu e fechou maternidades e escolas. Nacionalizou e reprivatizou empresas e sectores económicos. Hostilizou e seduziu os mesmos capitalistas. Perturbou e namorou a Igreja. A lista é longa. O que hoje é virtude, ontem foi pecado mortal. O que hoje é proibido, amanhã será obrigatório. O PS esteve em todas as revoluções e reformas, tal como em todas as contra-revoluções e contra-reformas. É o mais contorcionista de todos os partidos portugueses. Chegou quase sempre tarde à compreensão de algumas necessidades: resistiu à revisão constitucional, à privatização da economia, à liberalização do mercado, à regionalização e à criação do referendo, mas, quando chegou, viu-se logo como o campeão das novas causas. A história das propinas escolares e das taxas moderadoras da saúde é uma história triste de acrobacia, de adiamento e de desperdício. A história da reforma da Segurança Social é uma história exemplar de irresponsabilidade e demagogia. O que os socialistas adiam sai caro ao país.
(...) Perigosamente reduzido a um partido alicerçado na Administração Pública, com sólidas bases ancoradas nos sistemas educativo, de saúde e autárquico, o partido e o governo vêem-se agora obrigados a reduzir efectivos, despedir, congelar recrutamentos, diminuir vencimentos, baixar as pensões e cortar nos privilégios colaterais. Mais uma vez, desfaz o que fez. Se persistir, até ao fim do mandato, nas políticas que tem anunciado, terá de ir muito mais longe e prestará, talvez, insignes serviços às finanças públicas.
Mas deixará destroçada a sua clientela, os seus militantes, as suas bases e o seu eleitorado. Pelo contrário, se, como é hábito, não for tão longe quanto é necessário e enveredar pela demagogia prévia ao segundo mandato, tornará inúteis os sacrifícios actuais e voltará a deixar em crise o Estado social. Ou, mais simplesmente, o Estado


Eu diria mesmo mais, o se de António Barreto é um se evanescente face ao enquistado hábito dos socialistas.

Pelo contrário não é nada hábito o Impertinências citar citações, mas este texto de António Barreto é tão agudamente lúcido, tão cirurgicamente focado no quisto socialista que se abre uma excepção. Obrigado ao Abrupto.

11/11/2006

SERVIÇO PÚBLICO: os anacletos têm má reputação - nem sempre merecida

«Gaioso Ribeiro está a ser 'apagado' do PS-Lisboa. Depois de ter chamado a atenção para as 'baldas' de Carrilho nas reuniões da Câmara, o vereador perdeu a confiança política do partido. Nesta semana, perdeu também o seu gabinete, nas instalações da artarquia, e foi eliminado do site dos vereadores socialistas. Na Câmara, há quem veja na atitude um comportamento digno de trostkistas» (do Cocktail do Sol)

Revelando um grande ignorância da história do comunismo, o jornalista atribui aos trostkistas um comportamento do qual, de facto, eles foram vítimas às mãos dos estalinistas (*). Encarcerar, fuzilar e apagar os trotskistas das fotos, eliminar os seus nomes dos livros de história e mandar Ramón Mercader enfiar o picador de gelo no crânio do padroeiro Leon Trotsky, tudo fizeram os estalinistas para erradicar a praga dos anacletos.

Pelo lado dos filhos do estalinismo o juízo não é mais benigno. A propósito a conferência anual do movimento comunista, The Economist citando os camaradas escreveu: «But on another point, most communists are clear; they eschew any alliance with jihadism or Islamic fundamentalism. Such opportunism, says one true believer disdainfully, is only for Trotskyists» (Comrades, come rally).

(*) Poderia ter sido ao contrário, não fosse a proactividade do camarada Estaline.

10/11/2006

ESTÓRIA E MORAL: não voto nas eleições americanas

Estória

Os democratas ganharam as eleições intercalares e conquistaram a maioria nas duas câmaras. Para isso contaram com a preciosa ajuda de George W. Bush, que, malgrado nem ter feito só asneiras (*), foi mais um passivo para o partido Republicano, a somar aos DeLays, aos Foleys, aos Rumsfelds, para só citar alguns.

E agora? Kioto vai ser ratificado? A tropa vai sair do Iraque? Os EU vão abandonar Israel à sanha do fundamentalismo islâmico? Mais devagar.

À esquerdalhada em geral e a todos os que nutrem ódios de estimação pelos EU, disfarçados de ódios ideológicos pelos neocons, oldcons, etc., recomenda-se alguma contenção nos festejos. É bom não esquecer que, mesmo se (um grande se à distância de 2 anos) do saco de gatos dos candidatos democratas sair um relativamente ileso, capaz de ganhar as próximas eleições presidenciais, é duvidoso que passado o período de borla toda essa tralha ideológica anti-EU continue a ter grandes razões de alegria.

Moral

À guisa de moral, lembro o que disse Palmerston, ministro dos NE que durante 40 anos defendeu os interesses ingleses contra a Rússia e a França: a Inglaterra não tem nem amigos eternos, nem inimigos eternos, mas apenas interesses eternos.

(*) Ver em The Vultures gather um balanço aceitavelmente neutral dos dois mandatos de George W. Bush, escrito e publicado antes das eleições.

09/11/2006

BLOGARIDADES: pensamentos deliquescentes

«Se os juizes fossem eleitos em Portugal - na totalidade ou, pelo menos, em metade do seu número - o sistema de justiça no país não tinha chegado, nem de longe, ao descalabro a que chegou.» (pensamento do blasfemo Pedro Arroja)

Podemos trocar juizes por deputados/vereadores e o sistema de justiça por sistema político ou temos que trocar de eleitores?

07/11/2006

O IMPERTINÊNCIAS FEITO PELOS SEUS DETRACTORES: estratégias alternativas

Do meu amigo JARF recebi a seguinte enigmática mensagem sobre o assunto maiêutica:

A televisão tem mostrado reportagens sobre as milhares de portuguesas que vão a Badajoz e Madrid por preços inferiores ao da tabela, incluindo 300 Euros para a viagem aérea (a Madrid).

Para ter a certeza que não teria outros candidatos a disputar-lhe futuramente o trono, o Sultão Mahmud II resolveu o problema, com enorme eficiência, e estritamente dentro do quadro legal em vigor: mandou matar as duzentas mulheres e concubinas do meio irmão e sultão anterior (Mustafá IV), que foram afogadas no Bósforo, não fosse haver alguma grávida.
Não se trata de um facto histórico remoto anterior ao ocaso do Império romano do Oriente. Passa-se após a revolução francesa, em 1808, e num país hoje candidato à UE.

06/11/2006

CASE STUDY: Parkinson Law revisited

É razoavelmente conhecida a lei de Parkinson: o trabalho tende a expandir-se até gastar todo o tempo disponível para o completar. O que é menos conhecido é o facto de C. Northcote Parkinson ter sido professor de História na Universidade de Singapura e do texto onde formulava a lei (com uma fina ironia, sublinhe-se) ter sido publicado em Novembro de 1955 em The Economist (1), e se basear na observação de organizações burocráticas do governo britânico. Parkinson parte de duas forças motivacionais formuladas axiomaticamente como factores I e II: Factor I - O propósito de um chefe é multiplicar os subordinados e não os rivais Factor II - Os chefes geram trabalhos uns aos outros A partir destes dois factores, Parkinson enumera duas leis: a Lei da Multiplicação dos Subordinados e a Lei da Multiplicação do Trabalho. Como corolário dessas leis pode acontecer (e acontece) que da diminuição absoluta do âmbito de intervenção ou do volume de trabalho duma organização pode resultar o crescimento exponencial dos seus efectivos. Parkinson demonstra as duas leis com vários exemplos. Um dos mais interessantes é o do departamento das Colónias do ministério da Marinha, que à medida que a Grã Bretanha perdia as colónias, uma atrás da outra, os efectivos do departamento aumentavam.

Anos........... 1935 1939 1943 1947 1954 
Efectivos....... 372 .450 .817 1139 1661

Parkinson conclui formulando um modelo matemático (2) que faz depender o incremento anual (x) do número de efectivos do número (k) de funcionários procurando promoção através da nomeação de subordinados, do tempo médio de serviço (p), do número (m) de horas dedicadas a responder a memorandos, e do número (n) de unidades departamentais da organização.

x = (2k^m + p)/n

Parkinson verifica que, segundo o modelo, o incremento anual variará entre 5,17% e 6,56% independentemente de qualquer variação do trabalho (if any, como acentua). 

Vem isto a propósito do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Pública) que o governo do engenheiro Sócrates parece pretender aplicar ignorando a lei de Parkinson (3). Se a tivesse em conta, perceberia que deveria começar por eliminar os chefes e os memorandos. Com tempo, inteligência, perseverança e paciência, o número de índios seria então drasticamente reduzido. 

(1) Para quem tem curiosidade e tempo e não souber o que lhe fazer (por exemplo, um funcionário público curioso) pode ler aqui o texto integral de Parkinson's Law. 
(2) Aplicável a um departamento administrativo público não envolvido em actividades de guerra. 
(3) Se C. Northcote Parkinson conhecesse o estado napoleónico-estalinista e a vaca marsupial pública teria encontrado o laboratório ideal para as suas experiências. Um só exemplo admirável (citado pelo Sol): «o serviço militar obrigatório terminou há 2 anos, mas ainda existe um gabinete de objecção de consciência com 11 pessoas». Faz parte este exemplo da numerosa classe dos organismos em extinção para os quais são nomeadas comissões de extinção que não extinguem nem se extinguem.

05/11/2006

DIÁRIO DE BORDO: a maiêutica do aborto (15)

Se do referendo resultar a despenalização do aborto, serão os abortos considerados tendencialmente gratuitos? Segundo a Associação para o Planeamento da Família os abortos clandestinos serão entre 20 a 40 mil por ano. Quem irá pagar o custo dos abortos? Terão os abortos taxas moderadoras?

Será a gravidez indesejada uma doença requerendo cirurgia, como uma úlcera ou um pólipo? Serão os milhares de abortos considerados prioritários face às centenas de milhar de cirurgias em fila de espera? Ou os abortos irão esperar em média vários meses, como a maioria das cirurgias?

A pílula abortiva RU 486 custa 147,7 euros, menos de 1/5 do aborto mais baratinho (fonte: Semanário Económico). Porque não reformular a pergunta do referendo?
Concorda com o acesso tendencialmente gratuito à pílula abortiva, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez, receitada por um médico legalmente autorizado?

Exercícios anteriores de maiêutica em (0), (1), (2), (*), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (13) e (14)
(*) O n.º 3 abortou.

04/11/2006

ESTADO DE SÍTIO: read my lips

«Os impostos não vão aumentar. A política fiscal para este mandato do Governo, que foi anunciada no ano passado, irá manter-se»

(ministro das Finanças à entrada de uma reunião dos ministros das Finanças da Zona Euro, citado pelo Portugal Diário de 09-10)










(Fonte: Semanário Económico)

03/11/2006

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: um dilema é um dilema

«O Estado não deve sair do capital da EDP. São áreas onde os erros são difíceis de corrigir. Isto implica prudência. A energia faz mexer toda a economia. Mesmo a capacidade de ter água está dependente da existência de electricidade para a bombar», disse em entrevista ao Diário Económico o doutor António Mexia.

Debato-me com o dilema de o bombar na Secção Padre Anchieta com 4 chateaubriands, se porventura o doutor Mexia acredita, de facto, que é melhor entregar as áreas onde os erros são difíceis de corrigir a um estado incorrigido e incorrigível que não faz outra coisa senão asneiras e destrói capital, ou, pelo contrário, se o doutor Mexia tem um alter ego aparatchik que diz coisas que convém dizer para continuar elegível para cargos públicos ou semi-públicos. Neste segundo caso, o Impertinências oferecer-lhe-ia 3 ou 4 ignóbeis na Secção Musgo Viscoso.

02/11/2006

DIÁRIO DE BORDO: a maiêutica do aborto (14)

Se do referendo resultar a despenalização do aborto, qual será o crime cometido por uma mulher que, depois de ter ouvido falar incontáveis vezes das pílulas anticoncepcionais, que pode comprar livremente nas farmácias por um preço equivalente a um carregamento do telemóvel, depois de ver incontáveis spots publicitários sobre o uso do preservativo, ter passado incontáveis vezes ao lado de embalagens de preservativos, nos supermercados, à porta de farmácias, nos WCs das discotecas, dos aeroportos, etc., disponíveis por um preço equivalente a uma chamada telefónica, depois de saber que pode usar dispositivos intra-uterinos, tem uma relação sexual, sabe que está no período fértil, não toma a pílula do dia seguinte, engravida apesar de toda a panóplia de meios, e espera 9 semanas e meia (a) para fazer um aborto?

O crime de estupidez e desleixo?

E quando essa mulher faz acontecer a mesma a estória uma outra vez? (b)

Poderemos falar de crime de estupidez e desleixo agravados?

Ou teremos que admitir que uma mulher que é dona do seu corpo e pode decidir livrar-se do pólipo é um ser irresponsável e, portanto, legalmente inimputável? (c)

(a) A contar de quê? da relação sexual? da fertilização? da implantação uterina? da falta menstrual?
(b) A média em certos casos citados é superior a três abortos.
(c) Inimputável é como a esquerdalhada parece ver a mulher - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, é incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. (Artigo 20.º do Código Penal).

Exercícios anteriores de maiêutica em (0), (1), (2), (*), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12) e (13)
(*) O n.º 3 abortou.

01/11/2006

DIÁRIO DE BORDO: a maiêutica do aborto (13)

«Como tal, e se se verifica que a prática do aborto vai continuar a existir com lei ou sem lei, ..., prefiro que ele aconteça num hospital», escreveu o maradona com um pragmatismo irrefutável.

Poderemos considerar igualmente irrefutáveis as seguintes (entre outras) variações de pragmatismo?

  • se se verifica que a prática do homicídio (Artigo 131º do Código Penal) vai continuar a existir com lei ou sem lei, ... , prefiro que aconteça num hospital
  • se se verifica que a prática do homicídio a pedido da vítima (Artigo 134º do Código Penal) vai continuar a existir com lei ou sem lei, ... , prefiro que aconteça num hospital
  • se se verifica que a prática do infanticídio (Artigo 136º do Código Penal) vai continuar a existir com lei ou sem lei, ... , prefiro que aconteça num hospital
  • se se verifica que a prática de ofensa à integridade física (Artigo 143º do Código Penal) vai continuar a existir com lei ou sem lei, ... , prefiro que aconteça num hospital.


Exercícios anteriores de maiêutica em (0), (1), (2), (*), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11) e (12)
(*) O n.º 3 abortou.

31/10/2006

CASE STUDY: a medicina é mais dolorosa do que a doença (por enquanto) (2)

Na continuação deste post, mais excertos da mesma esclarecedora entrevista do Semanário Económico a António Bagão Félix, antigo ministro das Finanças, desta vez sobre o tema segurança social.

A anunciada reforma chega para manter a sustentabilidade do sistema até quando?

Segundo os números do Governo, até 2036, altura em que começa a haver uma utilização bastante forte do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Confesso que não sou muito dado a cenários de ser este ou aquele ano em que se dá a certidão de óbito ao sistema. Mas, há uma coisa que sei, neste momento estamos com um rácio de reformados versus activos de dois para um – quando fui secretário de Estado do governo do doutor Sá Carneiro era de 17 para um. Com as projecções demográficas que temos, muito rapidamente chegaremos a um para um, dentro de 20 a 25 anos, à vontade. Com este rácio, de um reformado para um activo, é muito fácil fazer as contas: só se pode passar em pensão o que na taxa social única sobre o salário do trabalhador corresponder ao pagamento das pensões. Suponha que dos 34,75% vão para as pensões 30%, então significa que a pensão de um reformado médio será em princípio igual a 30% do salário médio de um trabalhador.

O ministro da Solidariedade Social diz que os custos de transição para um sistema misto são muito altos.

O ministro, na passada terça-feira, numa conferência sobre o tema, em Coimbra, onde eu também intervim, só falou dos custos de transição e só fala dos custos, da perda de receitas. Não fala de três coisas importantes para discutir o sistema misto: poupanças nas pensões plafonadas, em segundo lugar o Estado vai ter superávites até 2050, mal será se não for – que poderão ser aproveitados, como o fizeram outros países, para viabilizar os custos de transição – e em terceiro lugar, como a dívida já existe, só não está escriturada – os reformados actuais e os activos como nós já têm créditos sobre as pensões futuras –, as receitas das privatizações, que amortizam a dívida pública, podem amortizar os custos de transição do sistema misto. Com todo o respeito pelas opiniões dos outros, acho que se transformou a ideia do Governo e do ministro numa ideia de teimosia.

Entretanto transfere-se dinheiro para o Fundo de Estabilização.

Outra coisa que não entendo. Até 2036 o Fundo vai sendo engordado para ser utilizado depois. Em parte estamos a falar de uma mistificação. É que o Estado é deficitário, parte das prestações da segurança social já são financiadas pelo Orçamento, ou seja, o Estado endivida-se para pagar à Segurança Social e depois esta, com os excedentes que tem por causa desse dinheiro do Estado, vai aplicar no Fundo de Estabilização. Em termos de finanças públicas, o Estado endivida-se de um lado e paga a outro e este último, com o que recebe desse endividamento, aplica em dívida pública… Isto é a chamada pescadinha de rabo na boca. Estamos a falar de uma questão contabilística, mas não de uma questão de fundo das finanças públicas e futuro da Segurança Social, porque o Fundo de Estabilização compra a dívida originada pelo mesmo Estado devedor. É uma ilusão.

Mas quanto custa essa transição? O ministro Vieira da Silva tem acusado a oposição de direita de não a quantificar.

Eu apresentei esses custos na terça-feira. O sistema que eu defendo só funciona para as pessoas com menos de 35 anos, ou com 10 anos de desconto, o que significa que será uma transição muito gradual, lenta, que só produz plenos resultados daqui a 30 anos. Evidentemente que no início há perda de receitas. Mas o que estava previsto, quando fui ministro, era que só 50% das pessoas poderiam entrar no novo regime – e repare que por defeito, se nada disserem continuam no Estado. Portanto 50% é um exagero, mas vamos supor que são metade dos trabalhadores, o Estado perderia, a preços de 2005, cerca de 55 milhões de euros de contribuições, para um total de contribuições de 11 mil milhões de euros, ou seja, não chegava a 0,5% do total. No quinto ano perderia 0,8% das contribuições. E depois este sistema que defendo, além de ser reversível, é manejável do ponto de vista de incidência pessoal e real.

Como assim?

Se o Estado começar a ter superávites, se o produto crescer mais do que é previsível, então podemos diminuir o plafonamento. Em vez de o plafonamento ter como base os dez salários, pode-se diminuir esse factor para abranger mais pessoas. Se entrarmos numa recessão grave, podemos não subir o plafond, pelo contrário. Assim, temos volantes para acelerar ou desacelerar a plenitude do sistema misto, que é o que o sistema apresentado pelo PSD não tem; aí não há plafond, mas apenas um split entre repartição e capitalização, continua-se a descontar sobre a totalidade do salário. No que eu defendo, há uma liberdade de escolha.

Sem nunca se deixar de contribuir para o sistema público.

Esse foi outro aspecto que o senhor ministro não apresentou, provavelmente porque não lhe convém ao seu argumentário. O que está previsto na Lei de Bases é que a parte em que a pessoa pode usar a possibilidade do plafonamento, de não descontar para a Segurança Social, não é sobre a totalidade da taxa social única, dos 34,75%, mas só sobre a parte que financia as pensões, cerca de dois terços dessa. Ou seja, sobre o restante, um terço, não há plafonamento, que é o que financia as prestações imediatas, como o subsídio de desemprego e de doença, entre outros. Em termos actuariais, aquilo que o Estado perde com plafond, durante 40 anos, é igual àquilo que poupa, pelo facto da pensão também passar a ser plafonada, a ter um tecto, se uma pessoa como reformada viver 13 anos. Hoje em dia, a esperança média de vida aos 65 anos é de 19 anos para a mulher e cerca de 17 anos e meio para o homem, e obviamente que esta tendência é irreversível, será cada vez maior. Por isso é que o Governo colocou o factor de sustentabilidade. O que significa que se o equilíbrio era feito com 13 anos de pensão, com 19 anos o Estado poupa mais em pensão do que perde em contribuição. Assim, este plafonamento a longo prazo é um bom, entre aspas, negócio para o Estado.

Os custos previstos para as SCUT eram suficientes para pagar essa transição?

Claro, mas à vontade. Quando saí do governo, e agora penso que será mais, o que estava previsto para as Scut’s, em 25 anos, em valor actual, era de cerca de 11 mil milhões de euros. Se fizer as contas, o Estado pensa poupar 2% do PIB em 2050 com estas reformas da Segurança Social…

O ideal seria usar esse dinheiro para a transição do regime?

Sem dúvida. É isso mesmo que eu tenho dito. O custo das SCUT chegava e sobrava para pagar a transição para um sistema misto. O governo diz que em 2050 poupa 2,9% do PIB, mas 0,9 pontos percentuais não se trata de poupança, mas sim de eficiência do sistema; ora esta não pode ser igual, todos os anos, a 0,9% do PIB até 2050. Há um ponto em que acaba. Esse é um erro técnico. Depois, há 0,5% que se trata pura e simplesmente transferir o abono de família e outras prestações da segurança social para o Orçamento do Estado, aquilo a que chamam a actuação selectiva das fontes de financiamento; mas em termos de sector público administrativo a despesa é a mesma. Aliás, é interessante essa questão das SCUT, independentemente das promessas eleitorais, há uma coisa que me confrange um pouco num governo que deve ter unidade. Nas Scut’s, a verdade é que o primeiro-ministro as defendeu sempre contra o princípio do utilizador-pagador. E ao mesmo tempo, na saúde, em que as pessoas não têm culpa de serem internadas, ou operadas, impõe esse mesmo princípio do utilizador-pagador. É de uma incoerência atroz.