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16/03/2009

O MEU LIVRO DE CABECEIRA: O desconcerto das nações (3)

«A atenção concentrada no deslumbrante cortejo de progresso no final da Guerra Fria, ignorou os arames, as vigas e os andaimes que tinham tornado possível tal progresso. Não conseguiu reconhecer que o progresso não era inevitável mas contingente em relação aos acontecimentos – batalhas ganhas ou perdidas, movimentos sociais triunfantes ou esmagados, práticas económicas implementadas ou rejeitadas. A difusão da democracia não foi apenas o desenrolar de certos processos inelutáveis de desenvolvimento económico e político. Não sabemos sequer se existe tal processo evolucionário, com estádios previsíveis e causas e efeitos conhecidos.

O que sabemos realmente é que a deslocação global rumo à democracia coincidiu com a mudança história do equilíbrio de poder para o lado dos países e povos que preferiram a ideia democrática liberal, uma transferência que começou com o triunfo das potências democráticas sobre o fascismo na II Guerra Mundial e foi seguida por um segundo triunfo das democracias sobre o comunismo na Guerra Fria. A ordem internacional liberal que emergiu após estas duas vitórias reflectiu o novo balanço global esmagador a favor das forças liberais. Mas essas vitórias não eram inevitáveis e não garantem ser duradouras. Hoje, a reemergência de grandes potências autocráticas, juntamente com as forças reaccionárias do radicalismo islâmico, enfraquecer essa ordem e ameaça enfraquecê-la ainda mais nos anos e décadas que estão para vir.

Após a II Guerra Mundial, outro momento na história em quer as esperanças numa nova espécie de ordem internacional exuberavam, Hans Morgenthau advertiu contra quem imaginasse que a dado ponto «o pano final cairia e o jogo da política de poder não voltaria a ser jogado». Há seis décadas, os líderes americanos acreditavam que os Estados Unidos tinham a capacidade e a responsabilidade de utilizar o seu poderio para prevenir uma derrapagem de volta às circunstâncias que produziram duas guerras mundiais e inumeráveis calamidades nacionais. Reinhold Niebuhr, que sempre advertiu contra as ambições dos americanos e a fé excessiva no seu poderio, também considerava, com uma convicção muito sua, que «o problema do mundo não pode ser resolvido se a América não aceitar toda a sua parte de responsabilidade em resolvê-lo.»

Hoje, os Estados Unidos partilham essa responsabilidade com o resto do mundo democrático, o qual é infinitamente mais forte do que o era quando acabou a II Guerra Mundial. A futura ordem internacional será moldada por aqueles que tiverem o poder e a vontade colectiva para a configurar. A questão está em saber se as democracias do mundo se vão de novo erguer para enfrentarem tal repto.»


[O regresso da história e o fim dos sonhos, R. Kagan]

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