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28/11/2010

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: A fábula do surto inventivo que nos assola (REPUBLICAÇÃO)

Mariano Gago disse ao Expresso que o crescimento dos indicadores da ciência em Portugal «é o maior da Europa» e cita o investimento em I&D que mais que duplicou entre 2005 e 2009, a despesa das empresas que triplicou (com o investimento em I&D do BCP e da EDP?), etc. Até pode ser tudo isso, mas quando se olha para os resultados não se nota. Por isso, mantém-se actual o meu  post de 8 de Agosto, a seguir transcrito, onde a propósito de um artigo também do Expresso, descrevi as conclusões da minha «investigação» sobre a investigação de Mariano Gago.
Se há coisa que me faz urticária é a tendência doméstica para o auto-contentamento, especialmente notória no jornalismo apologético. Um exemplo deste fim-de-semana é a peça publicada pelo Expresso sobre o suposto surto inventivo que assola os portugueses. O facto que suporta o título «Portugueses criam duas invenções por dia» deveria ser suficiente para desencorajar o jornalista de escrever a peça naquele tom encomiástico, se a criatura se tivesse dado ao incómodo de olhar para as estatísticas do European Patent Office (EPO). Não o fez e escreveu coisas como «os investigadores portugueses estão cada vez mais a dar cartas no mercado global», escreveu, citando o presidente do INPI ou «ao nível da ciência, já temos um desempenho comparável aos dos países mais desenvolvidos da Europa e até do mundo», citando o presidente do IST. O resto da narrativa é no mesmo tom de fábula.

Infelizmente tanto encómio não resiste aos factos. Já o ano passado aqui se desmontou uma outra peça de jornalismo apologético de Nicolau Santos sobre o surto de I&D que, segundo ele, o país estaria a atravessar. Desta vez é mais do mesmo oferecido pelo Expresso para nos animar. Vejamos, pois, os factos, sempre desagradáveis.

Em primeiro lugar, as 723 patentes com pedido de registo em 2009 no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) são patentes «domésticas». A maioria delas não chegará ao crivo do EPO, a começar pelo facto do pedido de registo no EPO custar 20.000 euros e o do INPI custar 100 euros, donde qualquer luso inventor vá a correr a INPI pedir o registo duma ideia que lhe veio ao bestunto numa noite de insónia na cama pelo preço duma noite de insónia nas docas.

Quando comparamos os pedidos de registo em 2009 no EPO, verificamos que Portugal pediu o registo de 107 patentes (compare-se com os 723 pedidos ao INPI) e dos 36 países considerados só há 13 com menos pedidos. Em número de pedidos por milhão de habitantes, desses 36 países só há 9 com menos do que os 10,1 por milhão de Portugal: Bulgária, Grécia, Croácia, Lituânia, Macedónia, Polónia, Roménia, Eslováquia e Turquia. A nossa vizinha Espanha, por exemplo, registou 12 vezes mais patentes e não consta esteja a celebrar nenhum surto inventivo.


Vejamos o que se passa com os pedidos de patente no USPTO (United States Patent and Trademark Office) onde são registados todas as invenções que interessam. O que se observa no «Patent Counts by Country/State and Year – All Patent Types» é arrasador. Portugal registou menos patentes em 2009 (19) do que em 2008 (31) e desde 1977 apenas registou 291 patentes. Do total registado em 2009 no USPTO (191.933 ou 29 patentes por milhão de habitante, considerando um total de 6.900 milhões), as 19 patentes portuguesas representam uma percentagem infinitesimal e correspondem a menos de 2 patentes por milhão de habitantes (compara com a média mundial de 29).

Porquê a minha urticária com estas efabulações? Porque ninguém sai de um atoleiro onde se meteu ou foi metido se não perceber que está nele.

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