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19/07/2011

TIROU-ME AS UMAS QUANTAS PALAVRAS DA BOCA: Uma entrevista impertinente face ao pensamento oficial e à doutrina económica do regime

«É muito engraçado fazer agora o paralelismo entre este governo do Passos Coelho, que tem duas semanas, e as duas primeiras semanas do Sócrates [em 2005]: são praticamente iguais. Prometeram que iam reformar tudo. A única coisa que fizeram até agora foi subir impostos. Há uma coisa boa que os separa: é que agora não há dinheiro. Ponto. Agora vai ter mesmo de se cortar. A única questão é onde. Ou seja, se os tais lóbis que dominaram a política portuguesa nos últimos 15 anos vão continuar a ter força e não pagam ou se se vão poupar aqueles que deviam ser poupados?

Claramente, os últimos governos estavam no bolso de grupos – sobretudo o último, o que ficou evidente neste estertor final. Não é tanto uma questão de corrupção. Se eles enfrentassem os lóbis não eram políticos, eram postos na rua naquele dia. …São professores, médicos, construção civil, banca, funcionários públicos, uma data de câmaras. Existe um certo número de pessoas que capturaram os ministérios. Têm poder para isso, poder para impor o TGV.

Grande parte da fraude fiscal é uma coisa perfeitamente legítima, que a sociedade faz perante um imposto que é completamente predatório.

No caso da Grécia parece-me que é evidente que não há solução. A Grécia pediu dinheiro a mais. Isto é um erro que o país cometeu, mas também dos estúpidos dos credores que lhe emprestaram uma coisa que ele nunca vai pagar. Se continuarmos a insistir que a Grécia pague tudo o que pediu isto estrangula o país, que não produz nada, e também não paga nada. É uma perda para todos. A solução é substituir esta dívida por outra mais baixa – a dívida é inferior, o credor perde uma pipa de massa porque emprestou 100 e só recebe 50, mas essa dívida já é sustentável e vai ser paga. É para aí que a Grécia está a ir: a questão é saber se isto é feito de uma forma ordenada, arbitrada por uma terceira entidade, neste caso a Comissão Europeia, que o faça de maneira que haja acordo [entre Grécia e credores], ou se isto é feito em zanga e rebenta com tudo. Perdem os credores, que não recebem, e perde a Grécia, que perde acesso aos mercados.

Há dois anos disse que o FMI devia ser chamado, ainda ninguém sonhava isso. Estou convencido, embora sem prova, que ainda podíamos ter safo a nossa situação sem ter pedido ajuda. Mas tivemos algo que mais ninguém teve que foram dois anos e meio de negação. Dois meses e meio depois da falência do Lehman Brothers, a 14 de Outubro de 2008, a Irlanda apresentou um Orçamento do Estado que baixava os salários dos funcionários públicos, incluindo o do primeiro-ministro. No mesmo dia Portugal apresentou um Orçamento do Estado para 2009 em que fazia a maior subida dos salários dos funcionários públicos desde 1980. O ano de 2009 é um ano em que houve uma queda do produto de 2,5% e uma subida dos salários reais no país de 5%. Comparado com isto só 1975 com Vasco Gonçalves: a economia a cair e os salários a subirem. É de loucos.

A direita é aquela que acha que os mercados são óptimos e funcionam bem. E a esquerda é aquela que acha que funcionam mal e que temos de os substituir. De facto, o que acontece é que os mercados são excelentes e têm enormes defeitos. O exemplo que dou sempre é o do avião. O avião voa. E às vezes cai. As carroças não caem. A malta que vê cair os aviões fica horrorizada porque morre imensa gente. Mas não estão a pensar voltar a andar de carroça. Os da esquerda são aqueles que querem voltar a andar de carroça e que quando vêem o avião a cair dizem “eu bem disse que isto é uma coisa horrível que funciona mal”. Os outros ficaram horrorizados porque partiram do princípio de que os aviões nunca caem. Estamos numa situação em que estão a mostrar-se os defeitos que sempre existiram – e que nem sequer são raros. Os keynesianos e os de esquerda andam todos contentes. Só os liberais acéfalos que acharam que o mercado estava sempre a funcionar bem e que quanto mais mercado melhor, que nunca perceberam que é preciso ter um equilíbrio entre o mercado e o Estado, é que estão envergonhadíssimos. E depois fazem esta coisa completamente idiota que é renegarem o que andaram a dizer.
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[Entrevista a João César das Neves no ionline]

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