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19/03/2015

ACREDITE SE QUISER: Foi encontrado o nucleótido da liberdade no ADN da TAP

Já tem vários dias e só agora que me caiu debaixo do olho este título surpreendente do Público (sim, é verdade, ainda me deixo surpreender por este jornal): «TAP: Nascida há 70 anos com liberdade no ADN».

Teria o Público feito o mapeamento do genoma da criatura TAP? Teria lá encontrado liberdade no meio de sequências fascizantes (era o que eu esperava que o Público encontrasse numa criatura criada em 1945 em pleno regime a que costumam chamar fascismo)?

A resposta à minha inquietação encontrei-a logo nas primeiras linhas da peça laudatória: «A TAP é provavelmente a única companhia aérea do mundo cujo fundador é um herói da liberdade … [escreveu] Frederico Delgado Rosa, neto e biógrafo de Humberto Delgado, o General Sem Medo,… [no] texto que assina nas páginas da revista de bordo que este mês está colocada no banco da frente em todos os 77 aviões da TAP, que todas as semanas levantam voo cerca de 2.500 vezes».

Está explicado. Tudo o que temos pensado e escrito aqui no (Im)pertinências sobre a «companhia de bandeira» fica posto em causa porque, afinal, o ácido desoxirribonucleico da TAP tem lá uns nucleótidos de Humberto Delgado. Fica-nos a dúvida se na altura da criação da TAP nos idos de 1945 o «General Sem Medo» já teria expurgado todos os nucleótidos do fascismo até então predominantes, desde 1926 quando participou no golpe de 28 de Maio e em 1941 quando publicou artigos na revista «Ar» de grande simpatia para com o nazismo em que escreveu sobre Hitler
«O ex-cabo, ex-pintor, o homem que não nasceu em leito de renda amolecedor, passará à História como uma revelação genial das possibilidades humanas no campo político, diplomático, social, civil e militar, quando à vontade de um ideal se junta a audácia, a valentia, a virilidade numa palavra
Ou quando foi nomeado em 1944 pelo governo de Salazar Director do Secretariado da Aeronáutica Civil, ou em 1951 e 1952 quando foi procurador à Câmara Corporativa ou quando foi nomeado em 1952 adido militar na embaixada em Washington onde viveu durante cinco anos. É nesse período que a lenda situa a sua conversão à liberdade, a caminho dos 50 anos e após 3 décadas de situacionista emérito - dizem os detractores que a conversão se deve mais a vaidades e ambições insatisfeitas do que a convicções.

É claro que pelo meio, em 1945 e 1946, Delgado criou a TAP e lá deixou nucleótidos não fascistas que trazia escondidos no seu ADN. Nucleótidos que passaram despercebidos até ao atento PCP quando em 1958 Delgado se candidatou a PR, e, talvez por isso, começou por apoiar o anticomunista Cunha Leal, uma relíquia da I República, para finalmente apoiar o compagnon de route Arlindo Vicente e praticamente só depois do assassinato de Delgado, numa manobra típica do tacticismo de Cunhal, o recuperou para o património antifascista.

E assim assistimos, 5 décadas depois, a propósito da «resistência» à privatização da TAP, ao reescrever da história pelo jornalismo de causas em cujo ADN encontramos mais facilmente os nucleótidos do PCP do que os nucleótidos da liberdade.

Fica-me uma dúvida igualmente inquietante: defenderiam os prosélitos com a mesma convicção a manutenção da TAP na esfera do Estado se esta, em vez de ter sido criada pelo «General Sem Medo», tivesse sido criada pelo almirante Henrique Tenreiro?

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