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31/01/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (17)

Outras avarias da geringonça.

Estas crónicas arriscam-se a ter uma vida mais curta do que imaginava quando comecei a escrevê-las. Por uma de duas razões, ou ambas. Se e quando a geringonça se desconjuntar, o que dependendo do desfecho da odisseia do orçamento pode estar menos longe do que se imaginava, estas crónicas perdem o propósito. Como podem perdê-lo se o governo e a sua gerigonça se desacreditarem ao ponto de se começar a construir um «consenso», atrás do qual a maioria dos portugueses se gosta de esconder, entre os opinativos – os nativos que vendem opiniões ou opinion dealers residentes. Enquanto isso, aqui vai a n.º 17.

Começo pelas entradas de leão que se arriscam a ser saídas de cordeiro, que já são várias. Quanto à «reversão» da venda da TAP, as coisas podem encaminhar-se para o governo ficar com a maioria do capital, ter de indemnizar o consórcio Gateway e entregar-lhe a gestão – uma solução do tipo chuva na eira e sol no nabal. Outra saída de cordeiro, foi começar por prometer a redução do IVA da restauração já e agora e acabar a adiá-la e aplicar as duas taxas, porque ... se tinham enganado nas contas. Também as «reversões» das subconcessões dos transportes públicos urbanos estão longe de serem favas contadas.

Como seria de esperar do novo Comissário Nacional da Educação, Mário Nogueira, o tímido processo de descentralização da administração escolar vai ser objecto da doutrina do «centralismo democrático, perdendo as escolas a pouca autonomia que tinham para contratarem professores.

Desmentindo os seus detractores, as políticas da geringonça não passam apenas por reverter, restituir, repor, mas também promover. Por exemplo, «promover Portugal como destino wi-fi» é uma ideia original e maravilhosa que aquele rapazinho que esteve de secretário de Estado do Turismo nunca se lembraria.

Chegado ao orçamento, começo por registar mais uma «costada» de Costa ao Financial Times, a quem disse que a redução prevista de 0,2% do saldo estrutural é «the biggest reduction for many years» - na verdade, será a segunda mais baixa nos últimos 5 anos.

Outra «costada» durante a discussão do orçamento no parlamento só se explica à luz da psicanálise: chamou por duas vezes «senhor primeiro-ministro» a Passos Coelho.

Entretanto, como seria de esperar depois da derrota estrondosa nas eleições presidenciais, o PCP precisou de se empertigar e dar provas de vida agitando o delicado mecanismo da gerigonça. Dos cinco grupos de trabalho criados para sobre questões críticas, incluindo a dívida, o PCP não quis participar em nenhum. Cada um desses grupos terá um ministro do PS e um bloquista que discutirão e depois de serrarem o presunto, presumo, vão submetê-lo à ratificação dos comunistas.

Para terminar o tema orçamento, direi que é um tema que serve de exemplo ao «consenso» que, continuando, me dispensará de gastar mais cera com este defunto. Na verdade, encontramos aqui um exemplo terminal, talvez premonitório, da geringonça a remoer sozinha os seus delírios. As quatro agências de rating de referência do BCE (incluindo a DBRS, a única que ainda não classificou a dívida portuguesa como «junk») já anunciaram as suas reservas e um outlook negativo caso o projecto de orçamento não seja alterado. O FMI, a OCDE, o BCE e o Banco de Portugal apresentaram projecções divergentes das premissas do orçamento; a Comissão Europeia, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), o Conselho de Finanças Públicas … you name it, todos colocam reservas ao projecto de Centeno.

Enquanto aguardam o desenlace da geringonça, os portugueses vão vivendo com gosto o fim da austeridade comprando carros (um crescimento de quase 90% em relação a 2012) e casas aproveitando a elevada liquidez da banca e as taxas de juros mais baixas de sempre.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é. Todos cometemos erros. De nada vale fazer mea culpa. O êrro melhorará sempre a nossa actividade.

Também não se chora sobre o leite entornado.

Abraço