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03/02/2016

Pro memoria (295) – A Terceira Via do PS português (3/3)

[Continuação de (1) e (2)]

«Mas o Partido Socialista propõe um terceiro caminho, que não é nem o da economia liberal de concorrência nem o do Estado repressivo. Esse caminho consiste em fazer pagar o consumo nacional pelo capitalismo internacional por meio de empréstimos.

Não querendo, por princípio doutrinário, favorecer o lucro privado; não querendo, também, realizar por meios autoritários a acumulação forçada de capital necessária ao investimento, só resta recorrer ao capital estrangeiro para pagar salários, benefícios sociais e a inflação escandalosa das despesas do Estado. Aparentemente, é uma solução brilhante, porque não exige sacrifícios e pretende manter em Portugal os benefícios de uma sociedade social-democrática. Só que o socialismo português é pago pelo capitalismo internacional. Permitimo-nos o luxo de ter os bancos nacionalizados, mas mantemo-los em funcionamento graças ao Fundo Monetário Internacional, que é uma associação de bancos privados. (*)

Duas consequências são inevitáveis: uma, é que o capital que deveria servir para investimento é usado para pagar o consumo: outra, é que se anula qualquer estímulo à acumulação de capital nacional. Portugal e tá-se tornando uma sociedade de puro consumo. Mas este caminho leva à apropriação da nossa economia pelas multinacionais, pois que alguém há-de pagar esse consumo, e nós próprios não temos produção equivalente.

Seguindo o caminho proposto pelo Partido Socialista, seremos o que as multinacionais quiserem que sejamos. Elas e encarregarão de financiar o que for lucrativo, de manter o nível de trabalho e de consumo que entenderem conveniente, de fixar o contingente da emigração, etc. Elas poderão, também, retirar o investimento que têm aqui para colocá-lo noutro negócio e deixar-nos pura e simplesmente numa miséria verdadeira e irrecuperável. Não é preciso ser grande profeta para prever isto.

E quando Portugal se empenhar sem remédio, tornando- se propriedade das multinacionais, não terá já grande importância o Orçamento Geral do Estado, porque o Estado será apenas a cabeça-de-turco de uma empresa cujos verdadeiros donos residirão lá fora. Então os jornalistas não terão mais oportunidade para fazer lileratura infantil sobre o equilíbrio das contas do Estado

«Os três caminhos», capítulo de «Filhos de Saturno», de António José Saraiva (publicado originalmente no Diário de Notícias de 01-06-1979)

(*) O FMI não é uma associação de bancos privados. O FMI é uma instituição que tem como membros os 188 Estados aderentes que contribuem para o capital, e entre outras missões financia os países que precisam de ajuda mediante certas contrapartidas.

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