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27/10/2016

SERVIÇO PÚBLICO: Fazer o possível para o futuro da Caixa ser igual ao seu passado

A peça de João Vieira Pereira, que transcrevemos integralmente e cuja leitura recomendamos, não podia vir mais a propósito deste post do Pertinente.

«Começo pelo fim. António Domingues é o novo presidente da caixa. Tem uma vasta experiência no sector bancário, algo que até agora nunca tinha sido critério para nomear administradores para o banco público. Podemos questionar se Domingues foi um bom gestor no BPI. O banco liderado por Fernando Ulrich não é um caso evidente de sucesso na banca em Portugal, mas está longe de ser dos piores o que, dado o estado geral do sector bancário, é um enorme elogio.

Por isso está na altura de deixarem António Domingues fazer o seu trabalho. A bem da Caixa. A nossa economia precisa de um banco público forte, sem estar manietado por qualquer poder político, a fazer política económica. Com racionalidade. E para isso é necessário uma administração profissional.

Não tenha dúvidas que, se a administração da caixa fosse uma cópia dos erros cometidos por exemplo por Sócrates, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia não tinham aprovado a injeção de capital.

Fechado este capítulo, está na hora da Caixa resolver os problemas que tem para resolver. Tomar-se mais ágil, mais eficiente e, acima de tudo, rentável, para que possa devolver aos contribuintes todos os milhões que lá foram injetados. Esta deveria ser agora a única preocupação de António Domingues desde que levanta a cabeça do travesseiro até ao momento em que apaga a luz: pagar todo o dinheiro que todos demos para salvar a Caixa. Pois, como diz Francisco Louçã, "que não haja dúvidas que os bancos nos devem muito dinheiro".

Posto isto, vale a pena lembrar todos os erros cometidos durante o processo de escolha da nova administração da Caixa. E não foram poucos.

1 - CARTA BRANCA
O Governo deu carta branca a António Domingues para escolher a sua equipa. Com esse poder, o novo presidente da Caixa não poderia ter feito pior. Depois da trapalhada de ter de convidar e desconvidar administradores porque Bruxelas não aceitou um conselho de administração de 19 membros, acabou com uma equipa muito aquém da que tinha idealizado. Além de não ser normal que o acionista dê poder a um seu empregado para escolher a equipa que o vai vigiar. É contra todas as regras de boa governação das empresas. E se há uma coisa que os anos recentes nos mostram é que é na banca que tem de haver um grande escrutínio da qualidade da gestão.

2 - OS CONVITES
António Domingues acabou por se rodear de amigos que consigo vão gerir o maior banco português. Da comissão executiva atual, todos os membros, com exceção de um - Pedro Leitão - , vieram do BPI. Direta ou indiretamente já tinham trabalhado debaixo das ordens de António Domingues. Parece-me óbvio que a capacidade destes elementos de dizer não ao novo CEO é menor do que se fossem profissionais sem qualquer relação com o presidente da caixa. 3 - ESCOLHA DUVIDOSA O único que não está ligado umbilicalmente a Domingues é Pedro Leitão. Mas neste caso talvez ainda seja pior. O gestor, que está no lote de administradores executivos que o BCE obrigou a ir estudar para poderem assumir o cargo, fez recentemente parte de uma das administrações que mais valor destruiu em Portugal e que ficará sempre conhecida por ter feito cair o império que era a Portugal Telecom. Por ter secundado Zeinal Bava e companhia recebeu como presente uma cadeira na administração do banco público. No que diz respeito ao seu cartão de visita, estamos conversados. Mas Pedro Leitão é também um ex-McKinsey , a consultora que esteve desde o início a ajudar António Domingues a montar o plano para a caixa, sem contrato e sem saber como iria receber os seus honorários.

4 – A MCKINSEY
Sobre este assunto muito havia a dizer. A McKinsey é um caso estranho em Portugal. A consultora conseguiu ganhar no nosso mercado um protagonismo que não tem equiparação noutros. Notoriedade ajudada por grandes empresas, como o Banco Espírito Santo e a Portugal Telecom. Mas o seu bom trabalho faz-se pagar caro, como tem de ser. E ninguém trabalha de borla, muito menos as consultoras. Era bom que o contrato com a McKinsey , que já deve existir, fosse tornado público, para dissipar dúvidas sobre esta relação.

5 - PLANO DE RECAPITALIZAÇÃO
Aprovar um plano de recapitalização como o que foi aprovado não era nada fácil. António Domingues consegui-o mas sem ter tido acesso a informação privilegiada, segundo o mesmo. É impensável que assim tenha sido. Aliás, esta foi uma das críticas vincadas pelos técnicos do BCE ao primeiro plano apresentado. Era feito apenas com informação pública. Simplesmente não é possível fazer um plano desse género sem, por exemplo, conhecer em pormenor a carteira de crédito da Caixa. Das duas uma: ou tiveram acesso a es.sa informação - e não o poderiam ter tido; ou, se não tiveram, o plano corre o sério risco de estar todo mal feito.

6 -AS EXIGÊNCIAS
E isto leva-nos ao próximo ponto. As exigências colocadas por António Domingues em cima da mesa para aceitar o cargo de presidente da Caixa eram legítimas da sua parte. Ele queria resolver as questões salariais, equiparar o ordenado dos vários administradores, e ter a capitalização resolvida. Centeno e o Governo de António Costa é que deviam ter tido o discernimento de dizer 'não’ à última parte. Não se esqueçam que a Caixa esteve oito meses com uma administração em gestão corrente. Uma situação que só pode ter feito mal ao banco público.

7 -O PROCESSO O último ponto é o talvez o menos importante, mas revela muito sobre as pessoas que lideram em determinados cargos. José de Matos soube pelos jornais que não ia ser reconduzido na presidência da caixa. Claro que ele já desconfiava, ou sabia-o mesmo informalmente, mas não ter tido, ele ou qualquer outro membro da administração, uma palavra que tos.se do ministro das Finanças é inacreditável. Era o mínimo que se exigia a Mário Centeno, que a única coisa boa que fez no dossier da Caixa foi ter convidado António Domingues. Atenção, convidado, porque duvido que tenha sido ele a lembrar-se do discreto ex-CFO do BPI ou a decidir que era ele o próximo presidente da Caixa.

Para o fim deixo a questão salarial. A verdadeira não questão. Já o escrevi antes e aqui reitero ”if you pay peanuts, you get monkeys.” »

«Os sete pecados da administração da Caixa», João Vieira Pereira no Expresso Diário

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