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01/05/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (81)

Outras avarias da geringonça.

Ponto de situação do défice e da dívida em 2016 na Zona Euro: o tão festejado défice de 2% de Costa-Centeno é o quinto maior (défice médio da Zona Euro 1,5% e da UE 1,7%) e a esquecida dívida de 130,4% é a terceira maior (dívida média da Zona Euro 89,2% e da UE 83,5%). Tomemos nota que a Irlanda (lembram-se do «não somos a Irlanda»?) registou o menor défice (0,6%) e uma dívida de 75,4% que tem vindo a descer desde um máximo de 120%.

Este ano a dívida continua florescente tendo aumentado 0,2% na óptica de Maastricht outra vez em Fevereiro, segundo o BdP. Para adensar o nevoeiro informativo, o IGCP divulgou a dívida directa do Estado (uma parte da dívida na óptica de Maastricht) que se reduziu em Março -0,2%. A mim parece-me como se uma empresa endividada até ao tutano anunciasse que a dívida total tinha aumentado mas o passivo bancário tinha diminuído.

Uma das componentes da dívida que não é evidenciada na contabilidade pública é a dívida dos hospitais que atingiu em Março 892 milhões de euros só a parte da indústria farmacêutica. É por estas e por outras razões que os anúncios da diminuição do défice do 1.º trimestre desde ano face a 2016 são mais exagerados do que o anúncio da morte de Mark Twain - a menos que, como em 2016, cativações, perdões fiscais e cortes do investimento façam mais milagres.

Quanto à dívida das empresas não financeiras, em Fevereiro aumentou 1,4 mil milhões de euros cabendo às empresas públicas a parte de leão no aumento (1,3 mil milhões) e um stock de dívida desproporcionado à sua importância na economia (43% do total). É mais uma consequência do peso abafante do Estado cujas empresas zombie secam o crédito disponível em prejuízo das empresas privadas. O endividamento das famílias subiu 100 milhões de euros em Fevereiro, reflectindo a euforia consumista que, segundo as teses da geringonça, nos há-de trazer o crescimento contrariando os últimos 40 anos durante os quais nos trouxe o endividamento. (fonte)

A respeito da dívida, resta acrescentar que as conclusões do Grupo de Trabalho sobre a Sustentabilidade da Dívida Externa foram entradas de leão e saídas de sendeiro para socialistas e, sobretudo, para os bloquistas que nele participaram e mostrando que o seu apego ao poder excede em muito o seu respeito pelos princípios - ainda que maus, são os deles (ver aqui um resumo). Se quanto à reestruturação da dívida estamos conversados, porque tudo depende dos credores, quanto à conclusão de que as provisões do Banco de Portugal são excessivas preparemo-nos para o assalto da geringonça para espremer o balanço do banco e extrair daí mais uns meses de vida.

Percebe-se que os consumidores se animem quando os salários aumentam pela via administrativa das portarias de extensão que explicam o acréscimo de 52% do número de trabalhadores abrangidos pelas novos contratos colectivos e o aumento de 1,5% dos salários nominais e 0,6% dos salários reais. Há apenas um pequeno problema: não consta que esses aumentos se devam ao aumento da produtividade, de onde só pode resultar uma redução da competitividade. Um dos aspectos que mais tem afectado a competitividade é aumento do salário mínimo para níveis que comprometem a viabilidade das pequenas empresas . Como se pode ver no quadro seguinte o salário mínimo em paridades do poder de compra tem aumentado em Portugal muito mais do que nos outros países da UE.
Salário mínimo, o euro e a "austeridade", Avelino de Jesus
Com o índice de confiança dos consumidores a ser o mais elevado desde Outubro de 1997 e o nível de investimento público a ser o mais baixo desde 1995 e o terceiro mais baixo da União Europeia em 2017 de acordo com o Plano de Estabilidade, falta acrescentar que com o investimento total a diminuir para 14,8% do PIB, o nível a que desceu em 2013 no auge do resgate de 2011, estão reunidas as condições para caminharmos decididamente para o próximo.

As hostes da geringonça rejubilaram com o anúncio pelo porta-voz da Comissão Europeia Marques Mendes na SIC de que a injecção de capital na Caixa não contará para o défice. A mim parece-me como se uma empresa endividada até ao tutano rejubilasse pelo ROC aceitar que o último empréstimo sacado a um banco distraído não figurasse no passivo.

A propósito da injecção de dinheiro dos contribuintes na Caixa, que não foi o primeiro, podemos prever com grande segurança que não será o último. As interferências de S. Bento e de Belém na gestão de Caixa vão garantir que, por muito que Paulo Macedo tente fazer o seu número, o dono do circo vai estragar tudo, mais uma vez. Enquanto Macedo tenta despachar uns 2 mil utentes que por lá se arrastam pagando-lhe generosas indemnizações e gordas pensões, o governo, pela boca do secretário de Estado que protagonizou o número ridículo para consumo interno com Dijsselbloem, vem garantir que não haverá despedimentos e que se prevê a contratação de 100 pessoas por ano. É tão patético que até agonia e um teste para as capacidades adaptativas de Paulo Macedo.

Quem não rejubilou foi a Standard & Poor's que comparou de forma negativa Portugal a Espanha sinalizando que não alterará a notação actual de lixo. Para a S&P Portugal continua «constrangido pela elevada dívida pública e privada (e por um) sistema bancário que permanece frágil».

Registem-se para memória futura os tiques autocráticos de Costa ao recusar dar explicações ao parlamento sobre as razões da sua recusa de aceitar Teresa Ter-Minassiam para o Conselho das Finanças Públicas e de Luís Vitório para o Tribunal de Contas, propostos pelos seus presidentes. O seu homónimo jornalista escreveu muito a propósito que Costa parece o Dono Disto Tudo.

Para terminar, relembro que nesta altura do filme quase toda a gente se esqueceu que Costa prometeu no seu programa que a economia cresceria 2,4% em 2016 e 3,1% em 2017 devido ao aumento do investimento e que o défice seria 3,0% em 2016 e 2,5% em 2017. Em vez disso tivemos mais austeridade e menos crescimento. Tivemos e, muito provavelmente, teremos porque como aqui mostra Joaquim Miranda Sarmento, no Programa de Estabilidade 2017-2021 as medidas previstas não são suficientes para garantir os saldos estruturais previstos e, em consequência, serão necessárias medidas adicionais - aumento dos impostos ou redução do investimento (as despesas correntes estão adjudicadas à geringonça).

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