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20/06/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (88)

Outras avarias da geringonça.

O título desta crónica pode induzir o leitor a pensar que aqui em casa se prevê a avaria iminente da geringonça. O que prevejo não é a iminência, é a irreparabilidade que pode levar ainda algum tempo, dependendo de várias circunstâncias. Contra-intuitivamente, uma das circunstâncias é o aumento das intenções de voto no PS que se arrisca a pôr nervosos os comunistas, fazendo-os sentir-se supérfluos, e demasiado excitados os berloquistas. Um bom indicador do nervoso comunista é o aumento de 36% até Abril do número de greves em relação à paz nupcial do mesmo período do ano passado.

Seja como for, como ainda há dias aqui referi, os 44% de intenções de voto nas últimas sondagens devem fazer-nos lembrar os 41% do PS de José Sócrates em Março de 2010 a um ano do resgate.

Não que o resgate esteja aí ao virar da esquina por várias razões que na sua maioria não se devem à geringonça. Na verdade, a única que se deve à geringonça é ter mantido no essencial as políticas de «austeridade» do governo anterior, criando ao mesmo tempo uma realidade paralela que impinge aos eleitores com a preciosa e indispensável ajuda da comentadoria do regime e do jornalismo de causas.

E falando de austeridade, recorde-se que o PS de José Sócrates que nos conduziu ao resgate não deixou de aplicar intensamente medidas de austeridade. Leia-se este artigo de Miranda Sarmento e constate-se que «em menos de um ano, entre maio de 2010 e o OE/2011, o governo de José Sócrates (atingiu) um valor de “austeridade” de 7,8 mil M€ (qualquer coisa como 4,5% PIB)» o que compara com «o governo PSD/CDS, em 4 anos e meio de governação aplicou medidas de “austeridade” de cerca de 10,2 mil M€

As outras razões são a melhoria da conjuntura internacional, incluindo europeia, e, em particular, o contributo do turismo que aparentemente tem sido o motor principal da criação de emprego - prevê-se que no 3.º trimestre 30% das novas contratações sejam na restauração e hotelaria. Sem esquecer, como a OCDE reconheceu, que a recuperação do emprego se deve às reformas do mercado de trabalho (tímidas, acrescento) do anterior governo. O volume de negócios dos serviços teve um crescimento homólogo de 9% em Abril.

Daí que o alinhamento da «exuberância irracional», para usar o termo de Alan Greenspan com outro propósito, suportada pela psique bipolar dos portugueses e alimentada pelos afectos agitados de Marcelo e a «boa disposição» de Costa, com a conjuntura internacional crie um clima positivo que medido pelo indicador coincidente do BdP mostra uma melhoria de 3% em Maio. Antes de embandeirarmos em arco veja-se no diagrama seguinte o que se passou uns meses antes do resgate.

Fonte
Uma das consequências indirectas da melhoria da conjuntura internacional é a descida dos yields da dívida portuguesa que tem permitido ao governo financiar-se a taxas mais baixas, como na última emissão a 5 anos (1,20%) e a dez anos (2,85%). Ainda assim, na emissão a 10 anos da semana passada a taxa foi mais alta do que a última do governo anterior em Novembro de 2015. E, mais importante do que isso, a percepção de risco medida pela diferença entre os yields das dívidas portuguesa e alemã continua mais de 50 pontos base acima da registada no final de 2015.

Fonte
Acrescente-se a esta percepção de risco o perfil de maturidades da dívida que, como sublinham neste ensaio Joaquim Miranda Sarmento e Ricardo Santos é muito irregular e, por coincidência, começa a acelerar os reembolsos no ano anterior e no ano das eleições.

Fonte: «Que caminhos para a dívida pública portuguesa?
A atitude de hostilidade surda e reprimida que a geringonça tem para com o investimento privado explica a complexidade kafkiana que está a ser construída nas emissões dos vistos gold que trouxeram para Portugal em menos de 5 anos 2,7 mil milhões de euros. Pessoalmente vejo este «investimento privado» como marginal para o crescimento já que se traduz na entrada de capitais que não irão ter aplicação produtiva, Contudo, a geringonça deveria vê-lo como um meio de aumentar o fluxo de óleo para lubrificar o zingarelho, o que torna o aumento das dificuldades ainda mais estúpido.

Uma nota positiva não intencional, segundo o Público muito preocupante para os sindicatos, é que a menos de 3 semanas do final do prazo «apenas» 14.800 «precários» se candidataram a vitalícios. Note-se o «apenas».

Para quem, como eu, estribado na história recente, acredita nas iniciativas governamentais em geral e socialistas em particular, promovidas por gente que nunca adicionou um cêntimo ao VAB, menos do que em vendedores de banha-da-cobra, vejo com preocupação cada vez que um primeiro-ministro pega na mala de caixeiro-viajante e parte por ai a fazer de Oliveira da Figueira. Como foi agora o caso de Costa na Argentina que, como escreveu João Vieira Pereira no Expresso Diário, é «uma das economias mais voláteis do mundo, palco de várias crises financeiras e outros tantos resgates (neste aspecto temos muito em comum). Até parecia que estava a ver António Guterres a apelar às empresas portugueses para irem para o Brasil… com o resultado que todos conhecemos….»

1 comentário:

Voris disse...

Eu EXIJO a demissão da geringonça.